A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, no último sábado, 1º, a condenação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e do hacker Walter Delgatti Neto pelos crimes de falsidade ideológica e invasão de dispositivo informático. Os dois são réus no Supremo Tribunal Federal (STF) pela invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde foi inserido um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo.
Os detalhes da trama foram revelados com exclusividade por VEJA em 2022. A empreitada, inclusive, envolveria também o então presidente Jair Bolsonaro, com quem o hacker havia se encontrado meses antes no Palácio da Alvorada, em visita também flagrada com exclusividade por VEJA.
Delgatti havia ficado famoso por hackear mensagens do Telegram trocadas por membros da Lava-Jato — no que ficou conhecido como “Vaza-Jato” –, e que contribuiu para descredibilizar a operação e, eventualmente, possibilitou a pavimentação da reabilitação eleitoral de Lula.
Relembre a “parceria” de Zambelli e do hacker.
Encontro com Bolsonaro
Em agosto de 2022, reportagem de VEJA flagrou Delgatti chegando e saindo de uma reunião com Bolsonaro fora da agenda oficial, no Palácio da Alvorada. O tema: segurança das urnas eletrônicas. O encontro foi articulado por Zambelli dias antes, na sede do PL. No local, o hacker e a deputada se encontraram com o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, e conversaram sobre a revelação das mensagens da Vaza-Jato por Delgatti. Também foi Zambelli quem pagou as passagens para Brasília e as despesas do hacker na capital federal. Segundo o advogado Ariovaldo Moreira, Delgatti aceitou o convite para ir a Brasília após receber sinalizações, por meio de Zambelli, de que na capital federal ele teria oportunidade de obter um “trabalho regular”.
O plano
Em conversa exclusiva à VEJA, em setembro do mesmo ano, Delgatti afirma que, na reunião no Alvorada, discutiram um plano absurdo: que ele assumisse ter grampeado Moraes depois que fossem divulgadas supostas mensagens em que o magistrado estivesse sendo “parcial” na condução do processo eleitoral, com o objetivo de causar um escândalo e, assim, invalidar as eleições. “Eles precisam de alguém para apresentar (os grampos) e depois eles garantiram que limpam a barra”, disse Delgatti.
O acordo
Na suposta conversa com o hacker, Bolsonaro teria dito que já haviam conseguido interceptar mensagens internas trocadas entre Moraes e servidores da Justiça, nas quais o magistrado estaria discorrendo sobre supostas vulnerabilidades das urnas e uma preferência pelo então candidato Lula. Esse ponto deveria ser explorado na imprensa para alegar a suspeição do ministro e tirá-lo da condução do processo eleitoral. Delgatti topou de imediato a oferta e ficou de prontidão, aguardando novos contatos do núcleo duro do bolsonarismo para tratar do assunto. No mesmo dia, ele ainda se encontrou com militares no Ministério da Defesa, onde encampou o discurso de que o código-fonte responsável pelo funcionamento das urnas podia, sim, conter um “código malicioso” para “roubar” votos de Bolsonaro para Lula.
Tentativa de grampeamento
Na mesma época, enquanto não chegavam a ele novas informações sobre a operação, Delgatti procurou um funcionário da operadora de telefonia TIM e ofereceu a ele dinheiro para que ajudasse no grampeamento ilegal de Moraes, fornecendo um chip com o mesmo número do usado pelo ministro. A conversa entre o hacker e o funcionário da telefônica foi gravada sem o conhecimento de Delgatti. Nela, o hacker insinuou ao interlocutor que havia mais pessoas por trás dessa operação, que resultaria em um crime. O funcionário da TIM não aceitou participar da trama.
Invasão ao sistema do CNJ
Em fevereiro de 2024, Zambelli e Delgatti foram indiciados pela Polícia Federal pela violação do banco de dados do Conselho Nacional de Justiça. De acordo com o relatório, Zambelli e Delgatti cometeram diversas vezes os crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica. O episódio da invasão do CNJ, confessado por Delgatti, aconteceu em 4 de janeiro de 2023, dias antes dos atentados de 8 de janeiro em Brasília. O intuito era colocar no ar falsos documentos a respeito de Moraes. Um dos documentos falsificados inseridos nas redes era uma ordem de prisão de Moraes assinada pelo próprio ministro. À época, VEJA obteve acesso ao material e revelou que o conteúdo era um texto tipicamente bolsonarista, no qual o presidente do TSE se autoproclamava “um deus do olimpo” e finalizava com “publique-se, intime-se e faz o L”.
Zambelli ‘mentora’
Em abril de 2024, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciou criminalmente Zambelli e Delgatti pela tentativa de invasão ao sistema do CNJ, e pela expedição de um mandado de prisão falso contra Moraes. A denúncia criminal aponta a deputada como mentora e contratante do crime. “A denunciada Carla Zambelli exerceu papel central na prática dos delitos relatados. Ela arregimentou o executor dos delitos, Walter Delgatti, mediante promessa de benefícios, com o objetivo de gerar ambiente de desmoralização da Justiça Brasileira, para obter vantagem de ordem política”, diz o documento assinado por Gonet.
Pedido de condenação
Após continuidade da tramitação no Supremo, a PGR pediu a condenação de Zambelli e Delgatti em fevereiro deste ano pelos crimes de falsidade ideológica e invasão de dispositivo informático. Agora, dependerá do STF o destino da dupla.