Moda, não há dúvida, é história da civilização. O uso de roupas formais no ambiente de trabalho surgiu durante a Revolução Industrial, entre o fim do século XVIII e o início do XIX, como estratégia para evidenciar a diferença entre os patrões e funcionários de escritório e do chão de fábrica. Os homens de terno exerciam funções burocráticas e os de macacão tocavam a linha de produção. Nasceu, naquele ponto da aventura humana, o chamado dress code (código de vestimenta), um conjunto de regras que determina o traje adequado à situação. As mudanças sociais e as formas de trabalho, principalmente o advento da tecnologia, trouxeram flexibilização das exigências impostas pelas corporações em relação ao que saía dos armários deles e delas.
Ainda no século XX, jeans, camisa sem gravata e até o tênis passaram a frequentar a maioria das empresas. E, então, a pandemia de covid-19, com a introdução do trabalho remoto, acabou por priorizar o conforto à formalidade. Com o retorno à vida como era antes, ou quase, dá-se agora uma pergunta que não quer calar, com a força dos momentos de decisão: com que roupa, sobretudo em dias de calor de um planeta bagunçado pelas mudanças climáticas? Uma tendência que há anos vinha sendo costurada explode com tudo agora em 2025, e tem mexido as peças no tabuleiro: é a mistura denominada high-low (ou hi-lo).
Ela pressupõe o casamento de uma peça clássica, chique, invariavelmente cara, com uma outra mundana, mais descontraída e até barata. O “high” está lá em cima, nem sempre ao alcance do comum dos mortais. O “low”, terreno, tem um charme inquestionável e possível, e viva o comum dos mortais. Que fique decretado, a partir da conversa de VEJA com estilistas: o calorão de agora (mais de 40 graus no Rio de Janeiro, no início da semana, e subindo) pede o estilo afeito a colar o clássico com o despretensioso. Dá certo. É o chinelo de plataforma associado à calça de alfaiataria, para elas. É a camiseta branca por baixo da camisa social de botões abertos, para eles (veja o quadro).
Mas atenção, porque abrir mão da formalidade, e pôr tudo num liquidificador, está longe de ser o sinal verde para a falta de limites. O traje, reafirme-se, ainda é ferramenta que ajuda a separar vida privada e profissional, além de entregar a personalidade do portador. “Não dá para aparecer na empresa com a roupa das férias”, diz a consultora de moda Danielle Ferraz. Há alguns truques que ajudam na democrática escolha. Para aumentar o conforto térmico, o primeiro passo, segundo a especialista, é selecionar tecidos leves, de fibras naturais, que permitam a troca de calor entre a pele e o meio ambiente, como o linho. Se a superfície dele for vazada, melhor ainda. É o caso do laser, algodão trabalhado com bordado em relevo e aberturas espaçadas. Traz frescor e, definitivamente, feminilidade. Para evitar os decotes exagerados, substitua a blusa de alça pelo colete sem mangas. Saias curtas demais, não — vá de mídis, que dão mais liberdade e estão em alta. “Carregadas de informações, as peças escolhidas podem passar mensagens erradas, como excesso de sensualidade no ambiente corporativo”, diz a stylist Vivi Ruiz.
Para os homens, coitados (contém ironia), a vida pode ser um pouquinho mais complicada. O voil é uma boa escolha de tecido para camisa, assim como a lã fria, para o paletó ou calça. Sandália vale, mas cuidado. “Excelente para os dias de temperatura alta, é aceita apenas em locais mais descolados de trabalho, como escritórios de arquitetura, de arte e design”, diz Vivi Ruiz. Sapatênis, mocassim e o tradicional sapato estão devidamente autorizados, mas apenas os modelos de couro, que não deixam o pé suar, como os fabricados de material sintético. Apesar de os brasileiros serem mais conservadores que os italianos, convém tirar as meias de cena ou optar pelos modelos curtos que ficam escondidos dentro do sapato, como fazem na terra da bota geográfica. Dobrar a barra da calça, o tornozelo à vista, ajuda na ventilação do corpo.
Portanto, como autorizam os novos humores, e como impõem os graus a mais, toda adaptação pede calma e elegância. A estilista francesa Coco Chanel, criadora em 1956 do mítico tailleur, interpretação do terno masculino pensado para as mulheres ingressarem no mercado de trabalho sem perder o estilo, deu a eterna deixa: as regras estão aí para serem quebradas, o dress code não é um dogma inquebrantável. Mas seguir os conselhos de quem entende do assunto é um bom passo para não entrar numa fria neste verão escaldante.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928