myspace tracker Vai decolar? As incertezas sobre a chance de sucesso da fusão entre Gol e Azul – My Blog

Vai decolar? As incertezas sobre a chance de sucesso da fusão entre Gol e Azul

Uma máxima do mundo da aviação diz que, cedo ou tarde, as companhias aéreas passarão por dificuldades. No Brasil, desapareceram nomes que fizeram história no setor, como Varig, Vasp e Transbrasil. No mundo, um exemplo marcante é o fim da americana Pan Am, sufocada por dívidas crescentes e má administração. Um retrato recente dos desafios que cercam os negócios aéreos é a situação difícil de duas das maiores empresas do mercado brasileiro. Há exato um ano, a Gol abriu um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. Em outubro de 2024, a Azul repactuou dívidas, evitando seguir pelo mesmo caminho. Juntas, elas somam 60 bilhões de reais em passivos financeiros, o que dá a dimensão da crise que enfrentam.

Há alguns dias, contudo, as duas empresas anunciaram um acordo que poderá trazer alívio para esse cenário. Depois de meses de negociações, elas anunciaram a fusão de suas operações, o que dará origem a um conglomerado com receitas de quase 40 bilhões de reais e 59 milhões de passageiros transportados por ano. Na teoria, faz sentido para as empresas envolvidas. Resta saber se a fusão será suficiente para tirá-las do buraco. “Nosso objetivo é expandir o mercado”, disse a VEJA John Rodgerson, presidente da Azul. O executivo afirma que a fusão, ainda dependente da aprovação dos órgãos regulatórios, resultará em sinergias operacionais que poderão levar à redução de custos e, portanto, a melhores condições financeiras.

Mas é preciso olhar para o outro lado da moeda. A concentração de slots — os direitos de pouso e decolagem em aeroportos — nas mãos de uma única companhia dificulta a entrada de competidores, cria barreiras artificiais e pode levar à manipulação da oferta de voos e preços. Esse tipo de preocupação faz sentido, pois o novo gigante aéreo brasileiro controlará noventa rotas nacionais nas quais não há nenhuma concorrente, além de dominar 80% das operações em aeroportos-chave como Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Unidas, as aéreas deterão 60% do mercado doméstico, enquanto a principal rival, a Latam, ficaria com 39%.

Com esse poder de fogo, sem rivais no horizonte, Gol e Azul, em tese, teriam liberdade para aumentar tarifas, já que os passageiros contariam com apenas uma opção — em algumas rotas, nenhuma — para cotar preços. “Depois de tantos esforços para reduzir a concentração, vamos permitir que o mercado volte a ser assim?”, questiona o consultor Cleveland Prates, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que tem a missão de avaliar a viabilidade da operação. Rodgerson contesta essa lógica. “É impossível prever os preços no futuro”, afirma o executivo. “A fusão poderá reduzir preços ao ampliar a oferta de aeronaves e rotas e melhorar as negociações com fornecedores de peças e combustíveis.” É ver para crer. O histórico sugere o contrário: a aquisição da Webjet pela Gol, em 2011, levou a um aumento imediato de até 16% nos preços dos bilhetes, segundo o Cade.

Continua após a publicidade

NOS ARES - Rodgerson, CEO da Gol: “Nosso objetivo é expandir o mercado”
NOS ARES - Rodgerson, CEO da Gol: “Nosso objetivo é expandir o mercado”Bruno Santos/Folhapress/.

Vale lembrar que a concorrência é o regulador mais eficaz do mercado. “Quando várias empresas competem entre si, elas são obrigadas a melhorar seus produtos e serviços, reduzindo os preços para atrair consumidores”, ensinou o escocês Adam Smith, o pai da economia moderna. Nos Estados Unidos, principal mercado aéreo do mundo, a líder American Airlines possui 18% do mercado, bem distante dos 60% da fusão entre Azul e Gol. Na Europa, há forte preocupação com o excesso de concentração, justamente para assegurar a oferta de bons serviços a preços justos.

Por aqui, a transação tem um padrinho influente. O presidente Lula mantém conversas com os CEOs das duas companhias desde abril de 2024, quando foi assinado um acordo de confidencialidade sobre a operação. Na época, o chefe da Azul visitou a fábrica da Embraer e anunciou a compra de 23 aeronaves da fabricante. A fusão dos negócios atenderia a um desejo de Lula — algo que remonta ao malfadado selo de “campeãs nacionais”, como foram chamadas as empresas escolhidas pelo presidente no passado para se tornarem colossos corporativos. A política terminou em escândalos igualmente colossais. O mercado e os consumidores esperam que o novo voo da Azul e da Gol siga por uma rota bem diferente.

Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928

Publicidade

About admin