A presidente da Cruz Vermelha Brasileira no Distrito Federal, Ágatha Brito, apresentou sua renúncia ao cargo a membros do conselho estadual e da federação internacional da instituição. Ela tem 31 anos, é a pessoa mais jovem a ter assumido a presidência de uma filial da CVB e uma das poucas dirigentes mulheres.
A coluna teve acesso à carta de renúncia, em que Brito afirmou ter sido “coagida, exposta e desrespeitada”. Além de renunciar ao cargo, ela registrou em boletins de ocorrência a existência de um perfil falso no app de namoro Tinder com fotos suas e que teve seu número de telefone colocado em um anúncio publicado em site de prostituição.
Os relatos da dirigente não são os únicos a lançar dúvidas sobre a gestão na CVB. Esta coluna relatou, em maio, suspeitas de desvios dentro da instituição durante a campanha de arrecadação para vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul.
Ágatha Brito faz um relato pessoal na carta-renúncia. “Vi práticas imorais sendo normalizadas, como elogios mútuos entre membros da comissão de ética e membros investigados pela comissão, denúncias sigilosas vazadas para proteger interesses individuais, voluntários sendo processados e humilhados por presidentes estaduais, além de contratos superfaturados e bens humanitários desviados para fins comerciais”, escreveu.
À coluna, Ágatha disse que “reprimir mulheres em cargos de poder representa um retrocesso significativo para a sociedade, pois impede o avanço da igualdade e a construção de um ambiente mais justo e inclusivo”.
Leia abaixo, a íntegra da carta:
“Ao Conselho Deliberativo da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Distrito
Federal
Assunto: Carta de Renúncia
Prezados membros,
Escrevo esta carta com um misto de tristeza e indignação para formalizar minha
renúncia ao cargo de Presidente e Conselheira da Cruz Vermelha Brasileira –
Filial Distrito Federal, com efeito imediato.
Durante meu mandato como a Presidente mais jovem da Cruz Vermelha
Brasileira, dediquei-me integralmente para honrar os valores fundamentais desta
instituição. Meu objetivo sempre foi preservar sua missão humanitária: salvar
vidas, aliviar sofrimentos e promover dignidade às populações em situação de
vulnerabilidade. No entanto, infelizmente, cheguei a um ponto em que não posso
mais ignorar as graves distorções que testemunhei no curso dessa jornada.
A Cruz Vermelha Brasileira, que deveria ser um farol de esperança e
solidariedade, está sendo corroída por uma onda de corrupção, desrespeito e
disputas de poder. Recursos que deveriam ser destinados a ações humanitárias
estão sendo desviados para interesses pessoais e práticas obscuras,
manchando a nobre missão que esta organização deveria cumprir.
Por diversas vezes, alertei a Federação Internacional, a sociedade nacional e
outros membros com poder de decisão. Enviei apelos, busquei diálogo, propus
mudanças estruturais. Entretanto, essas tentativas foram recebidas com inércia,
descaso e silêncio. O que presenciei, especialmente em minha última reunião
com os chamados “membros de Assunção”, apenas reforçou a realidade
alarmante de que o poder e os interesses particulares superaram qualquer
compromisso com a ética e a transparência.
Fui coagida, exposta e desrespeitada. Vi práticas imorais sendo normalizadas,
como elogios mútuos entre membros da comissão de ética e investigados,
denúncias sigilosas vazadas para proteger interesses individuais, voluntários
sendo processados e humilhados, além de contratos superfaturados e bens
humanitários desviados para fins comerciais. Essas irregularidades são
inaceitáveis em qualquer organização, mas são ainda mais graves em uma
instituição com a responsabilidade e o alcance da Cruz Vermelha.
Minha consciência não me permite permanecer neste ambiente. Permanecer no
cargo seria aceitar, por omissão, práticas que ferem diretamente os valores que
me trouxeram até aqui. Meu caráter, integridade e compromisso com a justiça
não estão à venda.
Esta decisão, apesar de difícil, é inevitável. Entrego este cargo com profundo
pesar, mas também com a certeza de que cumpri meu dever ao expor todas as
irregularidades que chegaram ao meu conhecimento às autoridadescompetentes, incluindo a Polícia, o Ministério Público, a Federação Internacional
e o Comitê Internacional. Jovem, mulher, mãe e voluntária, saio com a cabeça
erguida, pois sei que combati o bom combate e honrei os princípios que sempre
nortearam minha vida.
Não espero que esta renúncia provoque reflexão, pois sei que muitos não estão
na Cruz Vermelha Brasileira pelo propósito que me motivou a dedicar meu
tempo, energia e valores a esta causa. Porém, acredito que ainda existem
pessoas honestas, corajosas e comprometidas dentro da instituição. Agradeço a
todos os voluntários, presidentes estaduais, conselheiros e colaboradores que
trabalham diariamente por aquilo que realmente importa: ajudar aqueles que
mais precisam.
Minha luta não termina aqui. Continuarei a atuar fora da Cruz Vermelha
Brasileira, sempre em prol da justiça, da transparência e da dignidade
humana.
Atenciosamente,
Ágatha Brito”