Diz-se que o reconhecido talento político de Lula tem a intuição entre os seus componentes. O pressentimento sobre a evolução de cenários pode ajudá-lo a acertar nas estratégias. Ocorre que a intuição não garante resultados, pois não se baseia em fatos ou teorias. Como diz o dicionário, ela apenas exprime a percepção de algo que ainda não aconteceu, o que pode também resultar em erro.
Lula, como o PT, acredita que a economia cresce pela influência do gasto público, e não da produtividade, como é normal e os estudos comprovam. Ultimamente, ele tem dito que o importante é colocar o dinheiro na mão dos pobres, os quais, em vez de comprarem dólares, decidem consumir. Ocorre que essa é apenas uma parte da história. É preciso também considerar a oferta. O presidente estaria certo se houvesse capacidade ociosa na economia. Não é o caso atualmente.
Como a economia opera acima do potencial, a demanda atual supera a oferta. O desequilíbrio é resolvido por inflação ou por aumento das importações, como se viu em 2024. A inflação (4,8%) ficou acima do limite superior da meta (4,5%) e as importações de bens e serviços cresceram expressivos 14,7%.
“No curto prazo, a expansão do gasto público e do crédito tende a garantir apenas aumentos de preços”
O presidente parece guiar-se pela experiência dos dois primeiros mandatos. O preço das commodities subia com a expansão espetacular da China e com os efeitos das reformas do governo FHC (uma herança bendita). O resultado foi a melhora da imagem do Brasil, o aumento da confiança na economia, a forte expansão do crédito e a atração de investimentos estrangeiros. O presidente Obama chamou Lula de “o cara”. O Cristo Redentor subia como foguete na capa da revista The Economist. A atividade econômica funcionava praticamente sem restrições. O gasto público aumentava substancialmente e somente viria a ser um problema, mais tarde, no desastrado governo Dilma.
A realidade mudou para pior. Antes, além da bonança de receitas para financiar gastos crescentes, a capacidade ociosa permitia expandir a atividade econômica sem pressão inflacionária. Agora, como dito, a economia supera seu potencial. Adotar a estratégia daquele período pode acarretar efeitos contrários aos de então, principalmente uma inflação renitente acima da meta. É arriscado acreditar na teoria de economistas “desenvolvimentistas”, para os quais, ao se estimular a demanda, o crescimento assegura arrecadar mais, o que reduz o efeito da elevação dos gastos. Isso nunca deu certo em canto nenhum.
Certo, o aumento da demanda pode incentivar as empresas a investir e, assim, a expandir a oferta. Acontece que a demanda tem efeito instantâneo, enquanto a expansão da produção leva tempo para acontecer, pois depende da preparação de planos, da busca de financiamento e do longo prazo da execução dos projetos. Assim, no curto prazo, a expansão do gasto público e do crédito tende a garantir apenas inflação, que tem sido mortal para a popularidade de dirigentes em todo o mundo. É um quase certo tiro no pé.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935