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Um novo apetite?

Nesta semana, proponho, desde o título desta coluna, um convite à reflexão, uma reflexão que eu gostaria de dividir com você que me lê.

Há menos de dois anos, quando as canetas emagrecedoras começavam a se tornar conhecidas, escrevi neste espaço sobre o fim do apetite. Naquele momento, me preocupava que esses medicamentos acabassem com o prazer de comer. Afinal, uma refeição com amigos e família é um dos grandes deleites que podemos nos dar. Eliminar esse gosto é amargar um pouco a existência.

Nesse breve período, porém, minha percepção mudou. Olho ao redor e vejo mais e mais pessoas perdendo peso e mantendo-se magras com a ajuda desses fármacos. E, ao contrário do que eu previa, elas não deixaram de gostar de comida. Só passaram a comer de modo diferente.

Lá atrás, quando eu falava nesse “fim”, pensava, com certa tristeza, que as canetas fariam seus usuários verem o alimento somente como combustível. Porém, comendo apenas porque precisavam, talvez fizessem ao menos escolhas mais conscientes, mais saudáveis.

Depois de um tempo, contudo, passei a contemplar uma nova hipótese. E se as pessoas estivessem se utilizando desses medicamentos para comer pior? Não podia ser que, alcançando rapidamente a saciedade, elas optassem por porções menores das comidas de má qualidade nutricional de que gostavam? E, animadas por verem os números da balança caírem sem esforço, deixassem por completo de buscar um equilíbrio?

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“Haverá mudança no comportamento dos viajantes, dedicados a outras atividades, pondo a mesa de lado?”

Volto ao tema agora porque estamos virando a página para mais um capítulo dessa história. No ano que vem, será quebrada a patente da semaglutida, a pon­ta de lança desses emagrecedores. A partir de março de 2026, outros laboratórios poderão fabricar e vender suas versões da medicação, fazendo cair o preço da substância, hoje bastante elevado. Com mais gente tendo acesso a ela, é possível que comecem a aparecer respostas sólidas para as indagações que coloco aqui.

Por exemplo, consideremos a indústria dos produtos light, diet, zero e afins. Se toda e qualquer pessoa puder reduzir o consumo calórico com uma “canetada”, o que tiver cheiro e gosto de sacrifício poderá perder seu propósito. Afinal, se vou ter menos fome e comerei menos em qualquer circunstância, limitando assim meu ganho energético, por que poria no prato uma comida sem graça? O compromisso desse setor seria, então, dar novo apelo a seus produtos. Eles vão precisar ser não só “magros”, mas mais saborosos e nutricionalmente úteis.

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Podemos ir além. E o mercado do turismo, como ficaria? Pensemos na alegria de poder correr o mundo e conhecer a cultura de cada local através de seus sabores. Haverá mudança no comportamento dos viajantes, dedicados a outras atividades, pondo a mesa de lado? Ou, ao contrário, vão se entregar a ela com mais alento, ao saber que, ao final da viagem, não será mais preciso se submeter a uma dieta rigorosa e de exercícios para perder os “excessos de bagagem”? A ideia parece tentadora.

Por isso, termino este texto propondo que você acompanhe, comigo, o futuro que as canetas emagrecedoras estão escrevendo. Será que elas trarão o fim do apetite ou o redesenho de novos hábitos à mesa — e fora dela?

Publicado em VEJA de 21 de março de 2025, edição nº 2936

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