A secretária do Interior, Kristi Noem, usou um Rolex de ouro, na faixa dos 50 mil dólares, em visita à prisão salvadorenha para onde foram mandados quadrilheiros venezuelanos. Toda a cúpula de segurança nacional, incluindo os ministros mais importantes e o diretor da CIA, usaram o aplicativo de mensagens Signal, acessível a inimigos, para discutir um assuntos extremamente sigilosos. E investidores ariscos estão usando a opção sair – essa a mais importante de todas -, assustados com a instabilidade de Donald Trump, em especial quanto à política de tarifas.
Diz uma pesquisa da CNBC com os executivos chefes de empresas pesquisados a cada seis meses: a economia entrará em recessão no segundo semestre, existe um sentimento generalizado de pessimismo e 95% sentem que a instabilidade do governo afeta sua capacidade de tomar decisões.
O entusiasmo que se seguiu à eleição de Trump deu lugar a atitudes bem mais cautelosas, quando não negativas. No mundo high tech, onde houve “convertidos” ou curiosos de altíssimo valor, como Mark Zuckerberg e Jeff Bezos, também existe um clima de decepção. Disse Reggie James, do Eternal, ao Business Insider: “Nenhum dos meus amigos que votou em Trump está contente. Todo mundo está aborrecido”. Muitos achavam que ele teria uma atitude “mais cirúrgica”, não a disrupção em massa que está acontecendo.
Também existe um debate intensíssimo, inclusive na justiça, sobre métodos discutíveis para controlar a imigração, como o envio – agora congelado judicialmente – de membros da gangue venezuelana Tren de Arágua, para a superpenitenciária que Nayib Bukele construiu em El Salvador.
BOM COMPORTAMENTO MORAL
Foi essa a penitenciária visitada pela secretária da Segurança Interna, Kristi Noem, que deixou imagens controvertidas. Usando os presos como pano de fundo, ele aparece falando com roupas simples que se tornaram sua marca registrada – jeans e camiseta branca bem justos, boné sobre os cabelos trabalhados na escova modelada, fazendo com que os inimigos a chamem de Barbie do ICE, a agência de imigração -, mas leva no pulso um Rolex de ouro de 50 mil dólares.
Não foi “presente” ou produto de corrupção, mas mesmo que bancado do próprio bolso não pega bem que autoridades desfilem objetos de luxo diante de prisioneiros colocados nas “condições encantadoras” da penitenciária salvadorenha – segundo a definição irônica de Trump. É uma questão de bom comportamento moral.
Também não pega bem que seis agentes do ministério de Noem cerquem uma mulher na rua e a levem presa. Ela pode ser uma estrangeira que odeia os Estados Unidos e odeia Israel, como a turca Rumeysa Ozturk, que fazia doutorado na conceituada Tufts. “Participou de atividades em apoio ao Hamas”, uma entidade terrorista que prega a destruição de Israel, como diz o Departamento da Segurança Interna? Que tenha o visto cancelado e seja expulsa, mas sem cenas que remetem ao pior do Terceiro Mundo.
O mesmo se aplica aos cerca de trezentos estudantes estrangeiros que possivelmente foram aos Estados Unidos para gritar “Morte à América” e “Morte a Israel”, além de pregar a incineração de TelAviv e fazer corrente humana para afastar os “sionistas”, sinônimo de judeus, como aconteceu em Columbia. É o processo devido que estabelece o que se enquadra como liberdade de expressão e o que é incitação criminosa.
A direita tem que defender a aplicação desse sistema mesmo nos casos mais extremos, pois constituem a base do regime da lei e da ordem.
FUROS VÃO ATRÁS DO JORNALISTA
Muito do que é dito contra Trump é, obviamente, movido pelo antitrumpismo visceral e infenso a argumentos. Por causa disso, alguns casos ganham exposição excessiva, o que não elimina o fato de que tenha havido erros crassos. Foi o que aconteceu com a tremenda escorregada desencadeada quando o assessor de Segurança Nacional, Mike Waltz, incluiu num grupo dos mais altos nomes do governo no aplicativo Signal o diretor de redação da revista Atlantic, Jeffrey Goldberg.
Por causa do erro, o jornalista recebeu informações altamente sigilosas sobre os primeiros ataques ao grupo islamista radical que domina o Iêmen, os hutis.
A revista pertence à viúva de Steve Jobs. Laurene, alinhada com a esquerda do Partido Democrata. Goldberg é um dos mais efetivos críticos do trumpismo e nem sempre segue as regras do bom jornalismo.
Mas nesse caso protagonizou uma história fascinante. Normalmente, são os jornalistas que correm atrás dos furos. Para Goldberg, o furo foi oferecido no celular, sem que ele fizesse nada, provavelmente por erro de um assessor de Waltz.
Foi um presente dos céus para ele e a imprensa antitrumpista, que queria um escalpo importante como o de Waltz ou, melhor ainda, do secretário da Defesa, Pete Hegseth, um major que virou apresentador da Fox e agora comanda o Pentágono, numa espécie de provocação ao establishment militar tradicional.
Foram dias de reportagens e editoriais exigindo a cabeça de Hegseth por ter usado o Signal para passar informações altamente sigilosas sobre os ataques.
ESTRANHA VISITA
As conversas entre ele e o vice-presidente JD Vance também mostram uma animosidade que não é mais segredo em relação aos aliados europeus. Integrantes do grupo chegaram a falar em mandar a conta pela preservação da livre navegação no Mar Vermelho, ameaçada pelos hutis.
No final, o caso refluiu, embora deixando a ideia de que há muito amadorismo nas mais altas esferas.
Também foi essa a sensação deixada por uma estranha visita à Groenlândia que deveria ter sido protagonizada pela mulher de Vance, Usha. A coisa não foi adiante por falta de público – os habitantes da ilha estão pasmos, tal como o resto do mundo, com as constantes declarações de Trump, de que a vastidão gelada de mais de dois milhões de quilômetros quadrados, um território autônomo da Dinamarca, tem que ser dos Estados Unidos.
A visita acabou se concentrando na base militar americana na ilha, com Vance falando à tropa.
ESCOLA PUTIN
Tudo que se refere à atitude de Trump em relação à Groenlândia é extremamente estranho, além de, obviamente, ilegítimo.
Quem toma territórios alheios é da escola de Vladimir Putin. Que por sinal está enrolando Trump como um mestre na questão da Ucrânia chegando ao ápice da trolagem ao propor uma administração internacional para a Ucrânia. O acidente deixou Trump “furioso” – a palavra que ele usou é mais forte.
Depois de amanhã, Trump anuncia a versão final – ou algo próximo disso – das tarifas que vai impor a produtos importados e ninguém da sua equipe sabe ao certo o que virá.
Como reagirão os mercados, sem contar os países afetados, perguntam-se todos os interessados, num tipo de reação que sempre foi mais típica de países atribulados pela incompetência econômica e gerencial do que da maior potência da história.
Há duas tendências na Casa Branca sobre o alcance das tarifas, uma delas é a do secretário do Tesouro, Scott Bessent, que propugna sobretaxas para os dez ou quinze países realmente protecionistas em relação aos Estados Unidos. Nada garante que Trump vá ouvi-lo.