Terá Donald Trump apertado o botão da autodestruição, com o aumento de tarifas sobre as exportações do México, do Canadá e da China? Os prognósticos são de assustar, envolvendo quebra de cadeias de produção, rachas mum volume comercial total de 1,5 trilhão de dólares e aumentos de preços para os consumidores uma vez que as sobretaxas seriam repassadas – exatamente o oposto do que Trump prometeu para ser eleito. Enfim, na definição do Wall Street Journal, a “guerra tarifária mais burra da história”.
Mas é preciso lembrar que o presidente americano, mesmo fiel a seu estilo de atravessar a rua para comprar um problemas desnecessário, talvez tenha calculado os efeitos negativos, contrapondo-os a medidas de incentivo aos produtores, como corte de impostos para empresas, aumento da produção de petróleo, desburocratização e desregulamentação.
Tudo isso favorece os empreendedores a investir mais. “Acabei de voltar dos Estados Unidos e testemunhei o sopro de otimismo. Voltar à França é um pouco um balde de água fria”, disse o francês Bernard Arnault, multibilionário da indústria do luxo, ao comparar a corte de impostos empresariais para 15%, para as empresas americanas, contra o aumento para 40% previsto pelo atual, e precário, governo francês – de centro-direita, mas na França até a direita é de esquerda quando se trata de enfiar a faca fiscal.
Arnauld, que é amigo de Trump desde o tempo em que se aventurou pelo mercado imobiliário de Nova York, provocou, e não pela primeira vez, um tsunami de críticas, inclusive pela insinuação de que “agora seria o momento ideal” para as empresas que querem deixar a França e transferir atividades para outro país. Mas o fato é que ele deu um exemplo concreto dos atrativos que Trump está criando.
EQUIPE DE INTERVENÇÃO
Se vão funcionar a ponto de servir de contrapeso ao aumento das importações ainda não dá para cravar. Algumas coisas parecem nebulosas nesse início de governo. Por exemplo, Elon Musk criou uma equipe de alto nível para interferir em órgãos do governo nos quais ele tem a função de cortar desperdícios. Todos os computadores do Departamento do Tesouro com as folhas de pagamentos dos servidores públicos passaram ao controle dessa equipe.
Não é difícil imaginar a resistência que uma intervenção assim provoca. Musk disse que vai cortar quatro bilhões de dólares por dia até o fim de setembro. Está dormindo na sede improvisada do Departamento de Eficiência Governamental , o Doge – tal como fez quando comprou o Twitter. Se o corte de gastos funcionar, será um fator poderoso para fazer o “plano Trump” dar certo, diminuindo a pressão inflacionária da estonteante dívida americana.
O estilo destemperado de Trump obscurece as iniciativas em favor do crescimento econômico. Impor tarifas parece ser o exato oposto de tudo o que os Estados Unidos sempre defenderam – e as sobretaxas do momento são colocadas não na esfera comercial, mas de uma emergência nacional para conter o fluxo fronteiriço de pessoas e drogas.
Falar em incorporar o Canadá ou retomar o Canal do Panamá contraria os princípios mais fundamentais da soberania dos países, um valor universal. Também tem cara de Terceiro Mundo trocar toda a cúpula da Polícia Federal: as instituições deveriam estar acima da política, mas não é isso o que está acontecendo e Trump não economiza no revanchismo.
Segundo a Tax Foundation, uma organização que se ocupa da esfera fiscal, as medidas contra o México e o Canadá custarão 0,3% do PIB americano e 286 mil empregos, com mais 0,1% do PIB perdido para as sobretaxas sobre produtos vindos da China.
“CONFLITO É PROVÁVEL”
Um mercado poderoso, com escala incomparável, e tarifas baixas permitirá manter os preços que enlouquecem os brasileiros quando vão aos Estados Unidos? Acostumados a pagar 1,5 ou 2 mil reais por um tênis de primeira linha (ok, 1,499 ou 1 999), ele descobrem que os americanos devem ser pobres, porque pagam um preço muito mais baixo dos que bancamos aqui no nosso país de milionários, com o enxame de impostos sobre importados.
Todos os produtores feitos no México ou no Canadá entram sem tarifas nos Estados Unidos, situação que vai mudar a partir de amanhã. O que achará o consumidor que deparar com um carro made in Mexico 25% mais caro?
“RESULTADO ESPETACULAR”
Alguns economistas acham que Trump tem uma obsessão injustificada com a balança comercial e ter “um déficit com um país diz muito pouco sobre a prosperidade” do deficitário, segundo Sam Ashworth-Hayes do Telegraph.
O argumento econômico e o argumento da segurança nacional se misturam e é difícil separar um do outro. Estaria o novo governo se preparando para um novo estágio da disputa com a China? “Tarifas sobre o comércio com a China e uma separação parcial antecipada fazem sentido se Trump acredita que um conflito com a China é provável”, segundo o analista. “Da mesma forma, tarifas sobre semicondutores e tentativas de trazer a produção para casa fazem mais sentido se Taiwan e suas fábricas parecem correr risco. Seria muito melhor para todos se as novas tarifas fossem um argumento para negociação, não o precursor de algo muito maior”.
Torçamos todos.
Trump prometeu que as sobretaxas podem trazer sacrifícios episódicos de curto prazo, mas o resultado “será espetacular”.
“Não vamos mais ser o país burro”, avisou Trump. “Faça seu produto nos Estados Unidos e não haverá tarifas”.