Enquanto ainda tentavam traçar estratégias e calcular o impacto das medidas protecionistas impostas pelos Estados Unidos, os líderes mundiais foram pegos de surpresa, na noite de terça-feira 4, com outro anúncio bombástico de Donald Trump. Durante a visita do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, à Casa Branca, o presidente americano informou de supetão que seu país estaria disposto a assumir o controle da Faixa de Gaza, inclusive com o envio de tropas, caso fosse necessário. A declaração, um passo além da sugestão de “limpar” o enclave e alocar o povo palestino em países vizinhos, como Egito e Jordânia, dada uma semana antes, surpreendeu até Netanyahu, incapaz de disfarçar o espanto diante das câmeras.
Pode ter sido mera boutade. Mas é sempre bom entender Trump pelo que diz, na lata e no silêncio das entrelinhas. Uma ocupação americana em Gaza jamais foi cogitada pelos Estados Unidos, nem requisitada por Israel, e poderia desestabilizar ainda mais a região, já conflagrada por conflitos históricos. A medida contraria as próprias promessas de Trump, que durante a campanha eleitoral não se cansou de repetir que pretendia acabar com as “guerras inúteis” em que Washington se metera desde o 11 de Setembro. Mas o recado foi dado: a parceria com Netanyahu é inquebrantável.
O plano de transformar Gaza em uma “Riviera do Oriente Médio”, com resorts de luxo, viola o direito internacional e poderia ser considerado perseguição étnica. Nem os assessores da Presidência souberam dizer de onde o ocupante do Salão Oval tirou a ideia explosiva e passaram boa parte da semana tentando esclarecer as intenções do chefe, garantindo que o Tesouro americano não investirá sequer um centavo para reconstruir o território, transformado em ruínas depois dos ataques israelenses, em resposta ao terrorismo do Hamas.
Não demorou para que Rússia, China e França repudiassem a provocação de Trump. Aliada estratégica dos Estados Unidos, a Arábia Saudita argumentou não haver saída para o confronto no Oriente Médio sem o reconhecimento de um Estado palestino. Os principais envolvidos, é claro, seguem na desesperança. Os 2 milhões de moradores que viviam em Gaza continuam sem saber para onde ir.
O frágil cessar-fogo está prestes a entrar na segunda fase, com a libertação de reféns israelenses e de prisioneiros palestinos. Mas Trump, sempre ele, deu a deixa: disse não ter “garantias” de que o acordo será mantido. Em meio a bravatas e ideias malucas e inexequíveis, só há uma certeza: Gaza não é nenhum passeio à beira-mar.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2025, edição nº 2930