Em novembro de 1944, a Royal Academy de Londres abrigou a primeira e maior exposição de arte moderna brasileira na Inglaterra. Naquele ano, 168 pinturas foram enviadas de navio ao museu e exibidas como parte de uma iniciativa diplomática do governo: obras de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e diversos outros modernistas foram vistas por cerca de 100 000 pessoas, e o valor arrecadado com as vendas das pinturas foi revertido para a Força Aérea britânica, que estava em combate na II Guerra Mundial. Agora, 81 anos depois, a Royal acaba de abrir as portas para Brasil! Brasil! O Nascimento do Modernismo, mostra que reúne cerca de 130 obras do modernismo brasileiro e ocupa as dez galerias principais do imponente edifício, com pinturas de Tarsila do Amaral (1886-1973), Anita Malfatti (1889-1964), Lasar Segall (1889-1957), Candido Portinari (1903-1962) e outros nomes que marcaram o movimento.
Com enfoque artístico mais apurado que a pioneira exibição do século XX, em que a preocupação maior era o soft power diplomático, a mostra capta o apetite renovado do público e de instituições europeias por artistas de fora do velho continente. “Há um interesse crescente em ver como esses nomes surgiram e se envolveram com uma narrativa que é sobre sua própria identidade, em vez de simplesmente copiarem pinturas europeias ou caírem no academicismo”, disse a VEJA Adrian Locke, curador da Royal Academy. No caso do nosso modernismo, há uma celebração da identidade nacional em toda sua complexidade, incluindo aspectos negativos, como a pobreza, e positivos, como a riqueza das paisagens e da cultura popular.
O resgate do modernismo brasileiro não se resume à Inglaterra. Antes de chegar a Londres, a mostra estreou na Suíça, marcando a primeira grande exibição dos artistas nacionais do período no país. Na França, está em cartaz no Museu de Luxemburgo, em Paris, a primeira retrospectiva de Tarsila do Amaral no país, com mais de 150 obras. Ainda este ano, a principal representante do modernismo verde-amarelo também será exposta no Guggenheim Bilbao, na Espanha, enquanto Lygia Clark terá retrospectiva em Berlim.
Além do Brasil, o México se destaca entre as cenas artísticas que têm ganhado espaço em mostras na Europa e nos Estados Unidos, puxado por nomes como Frida Kahlo. “Hoje, olhamos para as histórias da arte de diferentes partes do mundo porque cada cena artística tem sua marca original”, pondera Locke, relembrando que o Brasil era uma nação jovem quando o modernismo nasceu. “Uma das coisas a que não dão o devido valor, não só no caso do Brasil, mas também em outros lugares, é que era muito difícil ser um artista naquela época”, aponta ele. De fato, não havia muitos recursos, tampouco museus e coleções públicas acessíveis.
Não à toa, o modernismo brasileiro foi fundado por artistas de origem abastada, que entraram em contato com a vanguarda europeia ao estudar no exterior. Essa relação, inclusive, fez com que parte dos europeus, e também dos brasileiros mais provincianos, torcesse o nariz para o modernismo, como se fosse um sintoma de degradação da arte. O resgate verde-amarelo, felizmente, prova que eles estavam errados.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929