A economia é muitas vezes apelidada de dismal science (ciência lúgubre ou sombria), talvez por lidar com temas complexos e, por vezes, desanimadores: crises financeiras, déficits fiscais, flutuações cambiais, necessidade de disciplina e “apertos no cinto”, entre outros desafios. Mas, como já tive algumas oportunidades de discorrer nesta coluna no passado, a microeconomia é um campo que explora temas curiosos e instigantes da vida cotidiana, incluindo – e por que não? – o comportamento sexual. Trata-se de uma dimensão que, embora pouco conhecida, foi amplamente abordada por grandes nomes da área, como Gary Becker (talvez o economista mais versátil da história do pensamento econômico).
Becker, professor da Universidade de Chicago e ganhador do Prêmio Nobel, é famoso por suas contribuições à teoria do crime, ao capital humano e à discriminação. Entretanto, uma de suas últimas grandes teorias foi a análise econômica da família, que incluiu decisões sobre casamento, filhos e outros temas relacionados. Essa teoria acabou por englobar também o comportamento sexual, uma discussão que ele explorou com seriedade acadêmica, acompanhado pelo também brilhante autor Richard Posner, um dos pais da Análise Econômica do Direito. No primeiro capítulo do livro derivado do blog dos dois mestres debatendo temas de Direito e Economia, Uncommon Sense: economic insights, from marriage to terrorism (Senso Incomum: perspectivas econômicas, do casamento ao terrorismo), eles dedicam suas mentes brilhantes para fazer uma análise econômica da revolução sexual. Segundo os autores, a revolução sexual da segunda metade do século XX pode ser explicada sob uma ótica econômica. A queda nos custos da atividade sexual foi um fator crucial, resultado de avanços como a prevenção e a cura de doenças venéreas, a disseminação de métodos contraceptivos acessíveis, a legalização do aborto em algumas regiões e a maior independência financeira das mulheres, que elevou o custo de oportunidade do casamento.
A observação curiosa de Becker, contudo, é que o aumento na atividade sexual de mulheres e jovens não se deveu apenas à disponibilidade de métodos contraceptivos, mas também a um maior interesse pelo sexo antes do casamento, influenciado por normas e valores em transformação. “É possível entender a base da revolução sexual usando a perspectiva econômica, mas [essa] perspectiva precisa reconhecer que normas e hábitos são também importantes. Essas normas e hábitos se ajustam eventualmente a novas formas de comportamento, e as novas normas rapidamente aceleram esse comportamento depois que elas se ajustam” (p. 16, tradução livre). Ecoando outros autores (e eu chamaria a atenção aos institucionalistas), Becker adverte para a necessidade de os economistas entenderem como variáveis subjetivas afetam a tomada de decisão racional. Infelizmente, isso é algo que ainda estamos longe de conseguir fazer de maneira cientifica (apesar de os esforços já estarem acontecendo).
Seguindo os passos desses gigantes, Cristiano Oliveira, professor da FURG (Universidade Federal do Rio Grande), trouxe contribuições contemporâneas com seu e-book “Guia Econômico e Estatístico de Sexo e Relacionamentos”. Lançado no final do ano passado, o livro combina o rigor acadêmico da microeconomia com um toque de humor e prática, oferecendo um verdadeiro guia para quem busca entender e otimizar suas experiências amorosas. Com o subtítulo provocativo “Transforme sua vida amorosa com estratégias baseadas em ciência e dados”, a obra atrai tanto curiosos quanto estudiosos.
Cristiano explora como decisões racionais, frequentemente analisadas pela microeconomia, são influenciadas por instintos evolutivos e elementos psicológicos. Ele observa, por exemplo, que há uma tendência recente de declínio na frequência de atividades sexuais e na formação de vínculos duradouros, um fenômeno que contrasta com as transformações observadas nas décadas anteriores. O autor mostra que há fatores objetivos para essa tomada de decisão as pessoas.
O livro também aborda o mercado de sexo e relacionamentos sob perspectivas clássicas da economia, como oferta, demanda, equilíbrios e desequilíbrios. A teoria de Becker é cuidadosamente revista, mas sob o pano de fundo de nossas sociedades contemporâneas do século XXI. Fenômenos recentes, como o impacto dos aplicativos de relacionamento, são analisados com base em modelos teóricos que incluem assimetria de informações, teoria dos jogos e economia comportamental. Entre os temas discutidos, destaca-se a “estatística das ‘curtidas’ e dos ‘super likes’”, um exemplo criativo de como aplicações tecnológicas moldam a dinâmica dos relacionamentos modernos. Os diversos capítulos do livro estão recheados de dados, estatísticas e resultados de pesquisas econométricas, os mais atualizados, sobre todos os assuntos desse tema. A maioria deles é surpreendente e fora do senso comum.
No último capítulo, Cristiano entrega aquilo que muitos leitores devem aguardar com expectativa: “Da Teoria à Prática: Orientações Econômicas para Relacionamentos Futuros”. Trata-se de uma síntese de estratégias baseadas em dados e teorias que podem auxiliar na tomada de decisões sobre amor e sexualidade.
Então, quem disse que a economia é somente uma ciência lúgubre e sombria?
Boa leitura a todos!
Luciana Yeung é Professora Associada I e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de artigos científicos e aplicados e capítulos de livro, todos na área do Direito & Economia.