Localizada no fundo de um beco escuro em Kyoto, a clínica Kokoro é um lugar peculiar: comandado pelo excêntrico Dr. Nike, o consultório só é encontrado por aqueles que precisam de ajuda para aplacar aflições cotidianas, e oferece um tratamento inusitado: levar um gatinho para casa e cuidar do bichano. Best-seller japonês com 240 000 cópias vendidas no país de origem, a série de contos Vou Te Receitar um Gato, de Syou Ishida, já vendeu mais de 50 000 exemplares também no Brasil e foi traduzida para mais de vinte países. Segundo livro da saga, Vou Te Receitar Outro Gato acaba de ser lançado por aqui, fortalecendo um fenômeno editorial fofíssimo: a invasão contemporânea dos felinos nas estantes.

Impulsionados pela chamada literatura de cura, filão oriental que tem como mote confortar os leitores com tramas leves e acolhedoras, os gatos estão em alta nas prateleiras: além da série de Ishida, títulos como Os Gatos do Café da Lua Cheia (Intrínseca), Se os Gatos Desaparecessem do Mundo (Bertrand Brasil) e Neko Café (VR Editora) estão entre os títulos que transformam os bichinhos em figuras de apoio emocional para os humanos, dando a eles lugar de destaque nas mais diversas histórias.
A relação estreita entre gatos e livros, no entanto, não é de hoje. O animal está presente, por exemplo, no Conto de Genji, obra japonesa considerada o primeiro romance literário do mundo, datada do século XI. De lá até a contemporaneidade, os miados encantaram autores e dominaram a literatura, passando para trás os cachorros, que costumam fazer sucesso no cinema. “Os gatos sempre fascinaram contadores de histórias, poetas, pintores e grandes escritores”, atesta a pesquisadora sueca Maria Nikolajeva em um artigo sobre o tema. Autores como T.S. Eliot, Doris Lessing, Charles Baudelaire, Ernest Hemingway e Truman Capote amavam gatos, e vários deles eternizaram os bichanos em suas obras. “Escritores gostam de gatos porque eles são criaturas quietas, amáveis e sábias, e gatos gostam de escritores pelas mesmas razões”, escreveu certa vez o dramaturgo canadense Robertson Davies, justificando o apelo dos peludos.

Do macabro conto O Gato Preto, de Edgar Allan Poe, às cativantes criaturas de Os Gatos, de Eliot, passando por personagens como o Cheshire de Alice no País das Maravilhas, de C.S. Lewis, os felinos foram retratados de modos distintos ao longo da história. No Egito clássico, eram figuras relacionadas às divindades como a deusa Bastet, responsável pela proteção e boa saúde. Na cultura japonesa, o animal também é ligado à espiritualidade, o que justifica a relação dele com a ficção de cura.
No mundo ocidental, no entanto, o bichano caiu em desgraça na Idade Média, quando passou a ser relacionado por lendas e folclores populares a bruxas e demônios. Daí, provavelmente, surgiu a imagem traiçoeira e arisca atribuída a ele em obras de terror que ligam o animal a um sentimento constante de ansiedade e medo. A representação, portanto, depende do período histórico e da cultura em que a obra está inserida. Na fase atual, o ronronado suave dessa turma conforta e faz muito sucesso entre os leitores.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927