O diplomata russo que falou ao site Moscow Times foi bem explícito, embora o que declarou não seja nenhuma novidade: “O tempo está a nosso favor e vamos tentar tirar o maior proveito disso”. É uma forma de dizer que as conversações na Arábia Saudita não são exatamente equânimes. Em muitos aspectos, a Ucrânia enfrenta uma dupla pressão, dos russos, em vantagem – embora não sem reação – no campo de batalha, e de Donald Trump, o dono do botão do liga e desliga dos armamentos mais sofisticados cedidos pelos americanos.
Segundo o site, a visão de Vladimir Putin e seus comandados é a seguinte: “Idealmente, o Kremlin espera que Washington permita tacitamente que a Rússia continue a avançar no campo de batalha enquanto os diplomatas negociam ou até pressionem Kiev a retirar totalmente suas tropas das regiões ocupadas”.
Imaginem só a força da pressão sobre a Ucrânia. O enviado especial de Trump, Steve Witkoff, deu uma entrevista catastrófica, embora reveladora, a Tucker Carson na qual chegou a repetir uma das palavras de ordem da Rússia, a de que a Ucrânia é “um país falso”, fundamento conceitual da invasão e anexação de territórios ucranianos (só parcial por fracassos no campo de batalha; se pudessem os russos teriam tomado tudo).
“Eu não vejo Putin como um mau sujeito. Ele é superesperto”, explicitou Witkoff, indo muito além da contenção verbal exigida de um mediador.
Witkoff também se atrapalhou sobre o nome das regiões ocupadas pela Rússia – Donetsk, Luhansk, Zaporijia e Kherson.
Uma raposa do mercado imobiliário, com a vantagem de ser amigo próximo de Trump, ele talvez não precise conhecer os nomes, mas tem que saber o que está em jogo.
Ou será que as concessões a Putin já estão resolvidas?
ESPÍRITO DE LUTA
Os ucranianos não parecem dispostos a acatar as perdas. Volodymyr Zelensky disse recentemente que que seu país jamais reconhecerá os territórios ocupados como russos: “Nosso povo lutou por eles, nossos heróis morreram. Tantos feridos, tantos falecidos. Ninguém vai esquecer disso. Não deixaremos ninguém esquecer esse crime contra a Ucrânia”.
É esse espírito de luta que faz de Zelensky um líder, mesmo com altos e baixos junto à opinião pública – e mesmo com a campanha para desacreditá-lo conduzida contra ele nos Estados Unidos por uma ala da direita trumpista.
Múltiplos porta-vozes do governo Trump usaram o termo “irrealista” para definir a expectativa de que a Ucrânia consiga de volta os territórios ocupados – e incorporados à Rússia por um artigo da constituição.
Mas se fossem realistas, os ucranianos teriam simplesmente se curvado à invasão russa em fevereiro de 2022.
Todos os analistas concordam que os territórios ocupados são irrecuperáveis. Por isso, a Ucrânia sofrerá pressões mais tremendas ainda do que as já enfrentadas.
Paz com injustiça pode dar certo? Nada menos que 87% dos ucranianos acreditam que a Rússia invadirá mais territórios se não houve garantias de segurança muito mais sólidas do que as em discussão no momento. Vladimir Putin não quer apenas deglutir o que puder, mas humilhar o país que ousou resistir a ele.