O Brasil é um país com uma esperança ingênua e ilimitada no poder das leis – justo este que é o país conhecido pelas “leis que não pegam”. Acredita-se que, para todo e qualquer problema complexo, basta a varinha de condão dos legisladores (e magistrados) para “tin!”, criar uma lei nova que será publicada no Diário Oficial da União, e no dia seguinte, o problema desaparecerá em um passe de mágica. Se não desaparecer, também, paciência, os legisladores e magistrados lavarão suas mãos e irão dormir tranquilos, porque fizeram o que era possível. A população, seguindo essa toada, acredita que a solução de todas as suas misérias encontra-se em novas e mais leis (quando na verdade, o segredo está justamente no oposto, em reduzir 99% das leis existentes no país). Assim, o sex appeal de grandes reformas é absolutamente irresistível para a sociedade brasileira.
Se fôssemos minimamente cautelosos e olhássemos para o passado para contabilizar as reformas que aconteceram nos últimos 20, ou mesmo 10 anos, seríamos honestos em perceber e dizer que o efeito real delas nos problemas que se pretendia resolver foi mínimo. O motivo disso acontecer podemos deixar para discutir em colunas futuras. Meu intuito hoje é avaliar a última das grandes reformas realizadas, uma que foi esperada por décadas e décadas, e que aconteceu no ano que se passou (2024): a reforma tributária.
A aprovação da reforma tributária marcou um dos capítulos mais significativos da economia recente do Brasil. Após décadas de debates e propostas frustradas, o Congresso Nacional finalmente conseguiu simplificar e modernizar um pouco o sistema. A reforma, que unificou tributos federais, estaduais e municipais em um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tenta reduzir a complexidade do sistema atual, mas também traz desafios e impactos econômicos que merecem análise detalhada.
A principal mudança da reforma foi a criação do IBS, que substituiu PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS. O novo imposto é do tipo valor agregado (IVA), seguindo o modelo adotado por mais de 160 países – o Brasil era uma das poucas “aberrações” que não contava com um IVA como base de seu sistema tributário. Essa “singela” mudança elimina o efeito cascata, no qual tributos incidem sobre outros tributos, reduzindo distorções e aumentando a eficiência do sistema. Pior do que isso, o efeito cascata é um dos grandes culpados pela forte regressividade do sistema tributário. Ou seja, no Brasil, pobres pagam (muito) mais impostos do que ricos (e não tem nada a ver com formalidade ou informalidade, pois paga-se imposto comprando um pãozinho na padaria, um pacote de feijão no supermercado).
Quais devem ser os impactos na economia? A simplificação do sistema tributário tende a reduzir os custos de compliance para as empresas, especialmente para pequenos e médios empreendedores. Estima-se que a burocracia associada ao pagamento de tributos consuma até 1.500 horas por ano por empresa no Brasil, um dos piores índices do mundo. Com a reforma, esse tempo deve cair significativamente, liberando recursos para investimentos e inovação.
Outro benefício é a potencial atração de investimentos estrangeiros. A complexidade do sistema tributário brasileiro sempre foi um entrave para empresas internacionais. Com um sistema mais previsível e transparente, o Brasil pode se tornar mais competitivo no cenário global, atraindo capital e gerando empregos.
Apesar dos benefícios, a transição para o novo sistema não será simples. Estados e municípios dependem fortemente de tributos como o ICMS e o ISS, que serão extintos. Para compensar essa perda de receita, a reforma criou um fundo de transição, financiado pela União, que será gradualmente reduzido ao longo de 15 anos. No entanto, há preocupações sobre a capacidade de alguns estados se ajustarem à nova realidade, especialmente aqueles com economias mais frágeis.
Outro problema entre as diferentes unidades federativas é que a unificação de alíquotas pode gerar distorções regionais. Estados mais pobres, que hoje cobram alíquotas menores para atrair investimentos, podem perder competitividade. Por outro lado, estados mais ricos, como São Paulo, podem se beneficiar da padronização, mas precisarão lidar com a pressão por maior redistribuição de recursos. É preciso um jogo político para “amenizar” ânimos de estados que terão perdas com a mudança. Em grandes reformas como essa, nem sempre a questão é apenas técnica…
Para os consumidores, a reforma promete reduzir preços em setores como alimentos, medicamentos e serviços, que hoje sofrem com a alta carga tributária. No entanto, em outros setores, como combustíveis e eletrônicos, pode haver aumento de preços devido à eliminação de benefícios fiscais. A médio prazo, os idealizadores da reforma esperam que a maior eficiência do sistema compense esses ajustes, mas o período de transição pode ser turbulento.
Para tentar focar no histórico problema da regressividade do imposto sobre consumo, a reforma incluiu mecanismos de compensação, como a devolução de parte do imposto pago por famílias de baixa renda. No entanto, a eficácia dessas medidas ainda precisa ser testada na prática. Já tivemos experiencias semelhantes de boas intenções, mas que na prática acabam se concretizando de maneira pouco positiva.
Como toda reforma, o que está escrito no papel e foi aprovado é uma coisa; mas a prática será bem mais complexa. Se bem executada, ela pode aumentar a competitividade do país, reduzir custos para empresas e consumidores e atrair investimentos. No entanto, os desafios são significativos, e o período de transição exigirá atenção constante para evitar desequilíbrios regionais e sociais.
Luciana Yeung é Professora Associada I e Coordenadora do Núcleo de Análise Econômica do Direito do Insper. Membro-fundadora e ex-presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ABDE), Diretora da Associação Latino-americana de Direito e Economia (ALACDE). Pesquisadora-visitante no Institute of Law and Economics, da Universidade de Hamburgo (Alemanha). Autora de “O Judiciário Brasileiro – uma análise empírica e econômica”, “Introdução à Análise Econômica do Direito” (juntamente com Bradson Camelo) e “Análise Econômica do Direito: Temas Contemporâneos” (coord.), além de dezenas de outras publicações, todos na área do Direito & Economia.