Após 25 anos de negociações, o acordo entre Mercosul e União Europeia começa a ganhar forma, ainda que precise superar desafios em um longo caminho para sua ratificação. O texto vai passar por revisão legal e tradução do inglês para 23 línguas oficiais da UE e as duas do Mercosul.
O texto precisa ser submetido à análise do Parlamento Europeu e dos Legislativos dos países-membros do Mercosul. Ou seja, no Brasil vai ser necessário que o Congresso Nacional aprove. Em seguida, o acordo deve ser formalmente assinado pelos Poder Executivo de cada nação envolvida — na União Europeia, isso inclui a Comissão Europeia e outros órgãos relevantes.
O acordo é positivo para as economias do Mercosul e da União Europeia? Quem ganha e quem perde? O acordo bilateral me parece muito positivo para ambas as regiões. Há uma tendência muito grande em se tentar olhar quem ganha e quem perde, mas, muitas vezes os dois ganham. E eu entendo que os dois ganham por um motivo muito simples: a gente tem economias que são complementares, que têm potencialidades diferentes e, portanto, podem ganhar com essa maior liberdade de comércio entre os países. Ainda mais neste momento.
Por quê? A gente está vendo um fechamento muito grande de comércio, aumentos de tarifas, a economia americana sinalizando para um fechamento maior. E há um predomínio muito grande da China. Obviamente que a gente não pode perder negócio e deixar de vender para a China, não faz sentido. O ideal é, ao invés de diminuir para a China, aumentar para outros mercados e, dessa forma, tentar atenuar essa concentração muito grande no mercado chinês.
O acordo enfrenta oposição da França, maior produtor agrícola do bloco europeu. Para a agricultura francesa pode não ser tão bom? Em vários mercados importantes para o Brasil, eu vejo a França concorrendo com o Brasil, por exemplo, com soja, com milho, eu estou vendo essa preocupação. Então, obviamente, deve haver mercados em que eles estão com essa preocupação, e, óbvio, que a venda e abertura de comércio podem facilitar a entrada de outros produtos.
Por outro lado, há outros nichos de mercado que fazem produtos, por exemplo, que são mais refinados, com valor agregado alto, e que eles podem ganhar com isso e vender mais para o Brasil. Por exemplo, o vinho francês no Brasil é muito caro e pode deixar de ser com isso, favorecendo setores agrícolas relacionados. É o tipo de coisa que penso como típica de ganho com abertura comercial: os países se especializam naquilo que têm mais competitividade.
O Brasil importa muitos produtos médicos e farmacêuticos da Europa. Com menos barreiras tarifárias, a nossa indústria de medicamentos pode ser prejudicada? Em particular, essa indústria farmacêutica já tem muitas empresas sediadas na Europa, mas uma parte significativa dos princípios ativos é produzida na Índia. Talvez, com essa abertura do comércio, torne-se viável produzir algum princípio ativo aqui, considerando a escala maior de produção. Mas a indústria farmacêutica brasileira já produz poucas matérias-primas, então não vejo um grande impacto negativo.
Que benefícios a indústria brasileira pode ter com o acordo? O segmento industrial, especialmente de componentes, máquinas e equipamentos de alta tecnologia, pode se beneficiar. Importar máquinas mais produtivas pode aumentar a produtividade em outros setores, mesmo que algumas indústrias percam. É um equilíbrio natural do comércio.
A questão ambiental ainda pode atrapalhar a ratificação e a implementação do acordo, certo? Isso, na verdade, tem muito a ver com barreiras não-tarifárias. Muitos desses movimentos acabam sendo usados para criar essas barreiras. Se você pegar, por exemplo, o regulamento europeu para o hidrogênio verde, verá que, se eles realmente quisessem priorizar a transição energética, facilitariam a importação de energia ou de produtos derivados desse hidrogênio verde. Mas, quando analisamos o regulamento em detalhe, percebemos que há várias imposições que dificultam esse processo. Então, essas questões frequentemente estão misturadas com argumentos protecionistas. É difícil separar, porque é uma prática comum no mercado internacional: as tarifas podem até parecer boas, mas na prática você não consegue exportar. E por quê? Porque existe uma barreira não-tarifária impedindo. Hoje, muitas vezes, a questão ambiental é usada nesse contexto — às vezes de forma legítima, mas em outras, não.