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Por que a série Adolescência mostra as vísceras dos pais de jovens

Nas últimas semanas, a série Adolescência (Netflix) foi um dos temas mais comentados no debate público brasileiro, em parte por levantar temas densos envolvendo o abismo comunicativo entre pais e filhos adolescentes no contemporâneo. Em entrevista para a coluna, Renata Tomaz, professora e coordenadora de graduação na Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, examina estes temas trazendo esclarecimentos oportunos para mães, pais, educadores e a sociedade em geral. Tomaz é uma das mais destacadas pesquisadoras brasileiras no campo da infância e adolescência, sendo cofundadora da Rede de Pesquisa em Comunicação, Infâncias e Adolescências (Recria) e membro do conselho consultivo do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana. Confira a entrevista:

 

A série Adolescência causou enorme comoção em pouco tempo, ficando entre os conteúdos mais assistidos na Netflix, nas últimas semanas, e pautando uma série de discussões. Que aspecto desse debate mais lhe chama a atenção?

 

Renata Tomaz – Dos muitos tópicos que a série levanta, eu destacaria esse impacto nos adultos diante do desconhecimento de movimentos e práticas, nos ambientes digitais, experienciados pelos adolescentes. A série parte de uma tragédia que atinge dois adolescentes (a que morre e o que é acusado de matá-la), mas são as vísceras dos adultos que, a meu ver, ela mostra – sejam esses adultos os responsáveis, os agentes da lei, os professores da escola ou a psicóloga. É sobre nosso desconhecimento, sobre nossa falta de repertório geracional. Essa comoção a que você faz referência está ligada ao sentimento de uma geração de adultos que não está conseguindo produzir respostas na velocidade das perguntas que recebe. Para além dos muitos méritos da série, ressalto este: o de nos atrair mais por mostrar a fragilidade do adulto do que a do adolescente. E olhar para essa nossa impotência é, no mínimo, desconcertante.  

 

Se a série mostra essa busca dos adultos por respostas, a seu ver, ela dá pistas sobre como entender a adolescência que acontece nos contextos digitais?

 

Renata Tomaz – Acho que sim. Em uma das cenas do segundo episódio, o filho do detetive tenta ajudá-lo a entender o que significam algumas das postagens da vítima no Instagram. Ao final da conversa, o policial diz ao filho: “Você sabe que não posso dizer o que ele fez, né?”. O menino, então, responde: “Pai, todos nós sabemos o que ele fez”. É uma fala interessante para pensarmos esse acesso que os adolescentes têm às múltiplas realidades, nos ambientes online. Contudo, é preciso entender que isso não significa que sabem mais do que os adultos, e sim que eles sabem antes. Os adolescentes contemporâneos não têm mais conhecimento. Eles só estão vendo primeiro.

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É possível equacionar isso? Como pais e educadores conseguem lidar com a ideia de “eu já sei”?

 

Renata Tomaz – Os adolescentes estão vendo primeiro porque eles chegam antes de nós. Eles, de fato, não precisam mais nos dar a mão para acessar o mundo. Até o século passado, costumava ser diferente: os mais velhos viam primeiro o que acontecia no mundo e mostravam aos mais novos. Isso nos dava tempo de elaborar a respeito, nos dava tempo de explicar o mundo para nossos filhos e alunos. Se as condições de apreensão do mundo, hoje, são diferentes, eu diria que equacionar essa situação passa pela tarefa de escutarmos o que crianças e adolescentes estão vendo. Isso é importante para conseguirmos incluir o repertório deles nas explicações de mundo que vamos lhes oferecer. Precisa fazer sentido pra nós e, claro, pra eles.

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Além de fazer essa escuta para aprender a linguagem do adolescente, o que mais a sociedade de modo amplo pode fazer para gerar uma adolescência mais segura?

 

Renata Tomaz – Vimos na série e vemos o tempo todo que os dispositivos conectados à internet são os meios pelos quais os adolescentes chegam a muitas realidades, das quais boa parte de nós sequer ouviu falar. Nesses espaços, eles são expostos a um número sem precedente de interlocutores. São grupos de pares, influenciadores, predadores, marcas, redes das mais diversas. Responsáveis e professores não dão conta dessas interlocuções. Não têm como supervisionar todas essas conversas. Nesse caso, o Estado e as plataformas precisam empenhar todo aparato de que fazem uso para regrar o acesso aos mais jovens. Não é só dizer aonde eles podem ir, mas determinar quem pode ir a eles.  Quem vê um perfil de adolescente, que tipo de interação poderá fazer? Esta é uma responsabilidade compartilhada.

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*Renata Tomaz é doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ e professora da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da FGV, onde realiza pesquisa sobre a relação entre cultura digital e socialização de novas gerações. É autora do livro “O que você vai ser antes de crescer? Youtubers, infância e celebridade”

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