Nos anos 1950, as novidades musicais só chegavam a Liverpool quando os marinheiros retornavam para ver a família na cidade portuária da Inglaterra trazendo na bagagem os últimos lançamentos dos Estados Unidos. A paixão do adolescente Ringo Starr pela música country começou ali. Logo vieram os Beatles, e muita coisa mudou na vida dele — mas o baterista jamais deixou de se interessar pelo ritmo. Em mais de sessenta anos de carreira, ele compôs com o Fab Four músicas como Act Naturally e What Goes On, ambas de pegada country, e lançou em 1970, após o fim da banda, Beaucoups of Blues, uma coletânea de baladas de blues e country. Apesar da paixão, já fazia tempo que estava distante do gênero — até porque os chapelões e roupas de caubói perderam tração comercial na indústria da música nas décadas seguintes. Isso agora mudou: o country vive um momento de alta sem precedentes. Conectado com o espírito do tempo, Ringo acaba de lançar, aos 84 anos, seu primeiro álbum inteiramente dedicado a ele, Look Up.
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O movimento de Ringo reforça uma tendência notável dos últimos tempos. Manifestação musical que está nas raízes da cultura americana, o country parecia até anos recentes relegado a um nicho relevante, mas distante do centro gravitacional do pop. Era apreciado basicamente pelo público branco dos Estados Unidos — o que só piorou ao ganhar a pecha de ser a música favorita dos conservadores americanos. Recentemente, porém, uma série de fatores vem transformando o country em uma espécie de novo graal da música. A ascensão irresistível de artistas como Taylor Swift, que saiu do country e mostrou a força de sua fusão com o pop, fez estrelas graúdas crescerem os olhos para seu potencial. O passo decisivo para a renovação se deu no ano passado, quando Beyoncé — uma das divas mais poderosas da indústria — abraçou o country com fervor.
Lançado em março de 2024, seu álbum Cowboy Carter estreou em primeiro lugar no Spotify e atingiu algumas semanas depois o topo da Billboard 200. A ousadia de Beyoncé foi se apoderar de um ritmo cujas raízes remontam aos negros escravizados, mas que com o tempo se tornou parte indissociável da população branca dos Estados Unidos. O movimento foi seguido por artistas de outros gêneros, como os rappers Post Malone (que fez show em São Paulo em dezembro em um festival de sertanejo) e Shaboozey, novato que figura neste momento no topo da parada de álbuns da Billboard. Em breve, Lana Del Rey deverá lançar The Right Person Will Stay, também dedicado ao gênero e feito sob a batuta de Jack Antonoff, produtor queridinho de Taylor Swift.
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Alguns anos atrás, curiosamente, o country só era resgatado por um roqueiro ou cantor pop quando sua carreira estava em baixa. Assim se deu um fiasco histórico como Tina Turns the Country On!, de 1974. Primeiro álbum solo da cantora, foi uma tacada frustrada de seu ex-marido, Ike, para angariar um público mais amplo para Tina. A mesma sina acometeu estrelas como Cyndi Lauper, Steven Tyler, Lionel Richie e Bon Jovi. Embora as razões que levem artistas de outros gêneros a gravar country continuem as mesmas do passado, como a possibilidade de interpretar canções com letras mais densas e emotivas e, claro, promover uma ampliação do público, o que mudou tudo no jogo foi a internacionalização do ritmo. Há mais mercado fora dos Estados Unidos e, desde 2023, o estilo musical vem experimentando seu maior crescimento em trinta anos. Em 2024, 34 posições do Top 200 dos álbuns mais vendidos do ano, segundo dados da Luminate, foram de country, um aumento de 79% em relação a 2022, quando dezenove álbuns entraram na lista. Além disso, onze álbuns tiveram pelo menos 1 bilhão de streams.
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Há, ainda, outro fator importante: o country ficou mais, digamos, poroso. O purismo foi deixado de lado, sendo bem-vindas misturas com ritmos mais “jovens”, como rap e trap, como fez alguns anos atrás a cantora Lady Gaga com o álbum Joanne e na trilha sonora do filme Nasce Uma Estrela, ou o rapper Lil Nas X, com o abusado hit country-gay Old Town Road. Por sinal, um sincretismo que o Brasil já experimenta no nosso ritmo análogo, o sertanejo, cujo sucesso rendeu Frankensteins como o funknejo, o breganejo e o popnejo. Os peões chegaram com tudo às paradas — às vezes dando coice nos ouvidos.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928