O jornalista Elio Gaspari reacendeu um debate importante ao apontar, com base no Censo de 2022, que o Brasil possui 2,5 milhões de advogados, enquanto engenheiros e médicos, juntos, representam menos da metade desse número. Esse desequilíbrio revela um país que anda para trás, onde o Direito se expande de forma desproporcional, contribuindo para um ambiente marcado por incertezas e por uma complexidade normativa que onera os negócios.
A instabilidade do sistema jurídico nacional gera um ecossistema no qual os litígios se multiplicam criando mercado para centenas de milhares de advogados. Conforme o Relatório Justiça em Números, do CNJ, tramitam mais de 84,3 milhões de processos, com cerca de 30 milhões de novas ações ajuizadas anualmente. No setor tributário, a existência de aproximadamente 28 mil normas e disputas fiscais – que podem atingir 75% do PIB – ilustra o quão custoso e arriscado é operar em território brasileiro. Esse cenário fomenta controvérsias que impactam diretamente setores técnicos e produtivos.
Os índices internacionais reforçam esse contraste. O relatório Doing Business, do Banco Mundial, aponta que, na categoria “Enforcing Contracts”, o Brasil demanda, em média, 1.072 dias para resolver uma disputa – com custos que podem atingir 33% do valor litigioso –, enquanto, nos Estados Unidos, esse prazo é de cerca de 245 dias e, na Alemanha, aproximadamente 150 dias. Ademais, o Índice de Estado de Direito do World Justice Project posiciona o país na 80ª colocação entre 142 nações, muito aquém da média global. Tais dados deixam claro que sistemas jurídicos mais estáveis, com uma legística menos onerosa, impõem uma judicialização moderada, enquanto o modelo brasileiro eleva os custos operacionais e desestimula investimentos.
Os litígios e os custos trabalhistas são temas recorrentes nos debates dos maiores empreendedores, frequentemente discutidos nos encontros da Esfera Brasil. Em uma economia globalizada – na qual o mesmo empregador atua nos mercados brasileiro, americano e europeu – a elevada judicialização não resulta de uma postura inflexível dos empresários, mas da variação no grau de protecionismo da legislação e, em muitos casos, da fragmentação e do paternalismo na interpretação da lei pela Justiça do Trabalho. Um estudo da Fecomércio-SP estimou R$ 9 bilhões em custos decorrentes de decisões judiciais contraditórias em dez casos trabalhistas, recursos que poderiam impulsionar a expansão e a geração de empregos, mas que se perdem no labirinto jurídico.
Felizmente, caminhos viáveis já surgem para reverter esse cenário. As iniciativas do CNJ, sob a liderança do ministro Luis Roberto Barroso, vêm demonstrando resultados concretos: a sistematização dos precedentes e a redução das divergências entre tribunais permitiram, em determinadas instâncias, a diminuição dos prazos de tramitação em até 40%. Esses avanços, juntamente com uma rigorosa avaliação de impacto legislativo e regulatório, evidenciam que simplificar as regras e promover a eficiência são metas alcançáveis – embora o esforço precise ser ampliado para que a Justiça se torne verdadeiramente confiável.
A insegurança jurídica não nasce da aspiração dos jovens por um lugar ao sol nas faculdades de Direito, tampouco da atuação da OAB, que tem sido exemplar, mas de um ordenamento legal excessivamente complexo e desatualizado. Modernizar esse sistema, simplificando a logística, reduzindo a hiperinflação legislativa e adotando uma aplicação uniforme dos precedentes, é indispensável para transformar o ambiente de negócios e estimular, de forma sustentável, o desenvolvimento e o progresso do Brasil.
Se queremos um país que valorize engenheiros, médicos, cientistas e empreendedores tanto quanto advogados, precisamos reconstruir a confiança na previsibilidade das regras. Segurança jurídica não é luxo – é a base do progresso. E sem ela, continuaremos correndo, sem sair do lugar.
* Ceo da Esfera Brasil e do Instituto Esfera de Estudos e Inovação