Uma grande banda de rock decide fazer uma canção em homenagem a um de seus fundadores, tributo misturado a uma espécie de pedido de desculpas um pouco tardio ao gênio que havia sido descartado do grupo por ter a mente fundida pelo abuso de drogas psicodélicas, o que o impedia de se apresentar ao vivo em mínimas condições e menos ainda de exercer o papel de principal compositor da turma. Syd Barrett, cantor e guitarrista, passou a viver numa espécie de universo paralelo e nunca mais tinha tido contato com ex-companheiros do Pink Floyd, até que ocorreu uma assombrosa coincidência durante a gravação da música em questão, ocorrida há cinquenta anos. O episódio só aumentou a lenda em torno do disco que trazia essa composição, um dos maiores sucessos do quarteto inglês.
Os trabalhos para esse disco tiveram início em janeiro de 1975 no estúdio Abbey Road, em Londres, dentro de um clima de estresse da banda, pressionada a produzir um sucessor à altura para o megasucesso The Dark Side Of The Moon. O ponto de partida foi um tema comovente e melancólico criado pelo guitarrista David Gilmour, que posteriormente recebeu uma letra do baixista Roger Waters fazendo referências diretas à histórica de Syd Barrett. Batizada de Shine on You Crazy Diamond (brilhe, seu diamante maluco), a canção trazia versos como “Now there’s a look in your eyes, Like black holes in the sky” (agora há um brilho em seus olhos, como buracos negros no céu). Qualquer comparação com a tragédia psicodélica de Syd não era mera coincidência. De acordo com Waters, a letra falava mesmo sobre o desaparecimento de Syd. “Ele se retirara para um lugar tão distante que não estava mais ali”, contou o compositor em uma entrevista.
A APARIÇÃO SURPRESA DE SYD BARRETT
A banda ainda estava trabalhando na canção quando ocorreu o encontro inesperado no estúdio, no dia 5 de junho daquele mesmo ano. “Notei um sujeito grande e gordo de cabeça raspada, vestindo um casaco impermeável bege velho e surrado. Ele carregava uma sacola de plástico e tinha no rosto uma expressão bastante afável, mas vaga”, lembrou o baterista Nick Mason no seu livro de memórias “Inside Out — Minha história com o Pink Floyd“, publicado no Brasil pela editora Belas Letras. Mason achou que o estranho sujeito deveria ser amigo de algum engenheiro de som para ter a entrada franqueada no Abbey Road. David Gilmour, também estranhando aquela presença, perguntou a Mason quem era o visitante.
Até que alguém os socorreu: tratava-se de Syd Barrett, irreconhecível para os ex-companheiros que não o viam há anos. A figura ali era bem distante da exuberante imagem dele quando tocava na banda, com seus cabelos longos e roupas coloridas. Para os presentes, foi como a aparição de um fantasma, com a carga dramática da cena aumentada pela coincidência da trilha sonora de Shine ON Your Crazy Diamond. Passado o choque inicial, ainda segundo as lembranças de Mason, o visitante permaneceu por lá durante algum tempo e Gilmour tentou travar conversa com ele, perguntando o que Syd andava fazendo. A resposta: “Tenho uma TV em cores e uma geladeira. Tenho umas costelinhas de porco na geladeira, mas elas acabam toda hora, então tenho que continuar comprando.” Depois disso, ele foi visto tentando pegar carona na saída do Abbey Road.
Confira aqui o clip com a faixa Shine On Your Crazy Diamond:
A música que acabou dando nome a esse álbum é uma composição de Waters e Gilmour. Wish You Were Here (gostaria que você estivesse aqui) também pode ser vista como uma homenagem a Syd, que morreu aos 60 anos em 2006. Havia sido dele a ideia de batizar o nome da banda unindo os nomes de dois velhos cantores de blues Pink Anderson e Floyd Council. Depois de apresentações em que Barrett ficava imóvel no palco, tocando inteiro uma mesma nota e com um penteado feito por uma pasta de Mandrax, resolveram substituí-lo por David Gilmour. Não foi uma troca fácil. A banda demorou a achar um novo rumo após a saída do principal compositor, mas acabou alcançando o sucesso estrondoso no início dos anos 70. Apesar disso, uma parte considerável de fãs cultua até hoje a fase do Pink Floyd com Barrett à frente da banda, por considerá-la mais inovadora e instigante.
Brilhe, seu diamante maluco.