Mais do que nunca, os olhos do mundo estão voltados para a Amazônia. Em novembro, o Brasil recebe a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, evento global no qual líderes de Estado, cientistas e empresas discutirão ações para combater as mudanças climáticas. Sediado em Belém, capital envolta pela maior floresta tropical do mundo, o evento ganha peso simbólico ao colocar a Amazônia no centro das discussões climáticas.
Mais do que isso: ele carrega uma importância estratégica. É neste ano, afinal, que os países devem definir suas metas para 2035. Caso os objetivos estabelecidos não sejam suficientes para limitar o aquecimento do planeta ao teto de 1,5 grau, a diplomacia brasileira deverá entrar em ação. “Como anfitrião do evento, caberá ao Brasil costurar acordos para que essas metas sejam melhoradas”, diz Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.
A missão do presidente Lula e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, não será fácil: em meio a um cenário geopolítico desfavorável, o país ainda terá de tentar resolver os impasses diplomáticos herdados da polêmica COP 29.
Realizada no ano passado em Baku, capital do Azerbaijão, a COP 29 ficou conhecida como a “COP das finanças”, já que buscava definir os mecanismos de financiamento para a transição verde. O saldo das negociações, porém, foi agridoce. Por um lado, a conferência foi bem-sucedida ao finalmente avançar na criação do mercado global de créditos de carbono, uma pauta que se estendia havia anos.
Previsto no Acordo de Paris, o sistema permite que países e empresas negociem certificados de crédito para compensar suas emissões. Vai funcionar assim: quando uma nação ou organização emite menos dióxido de carbono do que o limite estabelecido, recebe créditos que podem ser vendidos. Já os países ou empresas que ultrapassam o teto de emissões devem comprar esses créditos para compensar a poluição excedente. Atualmente, mecanismos do gênero operam em regiões como União Europeia, Estados Unidos, China e Canadá — no Brasil, o projeto que funda um mercado regulado de carbono foi sancionado em dezembro do ano passado. A resolução da COP29 criou as bases para que esses mercados possam negociar entre si, embora ainda faltem algumas definições sobre como as transações funcionarão na prática.
Quando entrar efetivamente em vigor, o mercado de carbono poderá movimentar globalmente cerca de 250 bilhões de dólares por ano em ações climáticas, segundo projeção da ONU. Por isso, ele é visto como um dos principais mecanismos para transferir recursos de países desenvolvidos para países em desenvolvimento — um compromisso selado há anos. Mesmo tendo pouca responsabilidade pelas alterações climáticas, os países mais atrasados são os que mais sofrem as consequências do aquecimento global, já que não têm infraestrutura para se adaptar às mudanças. Por isso, segundo resoluções internacionais, as nações ricas devem se comprometer a ajudar financeiramente as mais pobres a realizarem a transição energética. No entanto, o montante necessário para esse apoio ainda está longe de um consenso — um impasse que gerou tensões durante a COP no Azerbaijão.
O encontro definiu que os países desenvolvidos devem transferir no mínimo 300 bilhões de dólares por ano para aqueles em desenvolvimento, de 2025 a 2035. A nova meta é três vezes maior do que a anterior, de 100 bilhões de dólares anuais, em vigor de 2020 até 2025. Ainda assim, o valor veio muito abaixo do que era esperado pelas nações em desenvolvimento, que pleiteavam 1,3 trilhão de dólares. E também ficou distante do que os cientistas apontam como necessário para cumprir as metas de descarbonização: 2,4 trilhões por ano até 2030, 3,5 trilhões até 2035. Em carta aberta divulgada após a conferência, o Grupo dos Países Menos Desenvolvidos — formado por 45 nações da África, da Ásia-Pacífico e do Caribe — escreveu: “Os países mais responsáveis pela crise climática falharam conosco”.
Reconhecendo que os 300 bilhões não serão suficientes, os negociadores da COP29 se comprometeram a seguir em diálogo, acordo que ficou conhecido como Rota Baku a Belém. Isso significa que, em 2025, caberá ao Brasil liderar as discussões para tentar chegar ao trilhão. Um dos caminhos para isso é estender a participação do setor privado no financiamento climático, algo já previsto pelo texto aprovado em Baku. “É o trabalho do setor público e do privado, juntos, que pode trazer os montantes necessários para a transição”, diz Cacá Takahashi, coordenador da Rede Anbima de Sustentabilidade.
Essa não será a única pauta transferida do Azerbaijão para o Brasil. Em 2025, também será necessário retomar o acordo para a redução global do uso de combustíveis fósseis — um compromisso estabelecido pela COP28, em Dubai, mas interrompido no ano passado devido a divergências sobre o texto. “Os itens não resolvidos vão abarrotar ainda mais a agenda da COP30”, diz Guarany Osório, coordenador do Programa de Política e Economia Ambiental da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP. “O ideal seria que já tivéssemos ambições consolidadas e alguns instrumentos de implementação já definidos, mas isso não ocorreu.” Agora, negociações complexas por natureza ganham um novo nível de dificuldade diante de uma mudança no cenário internacional: os Estados Unidos deverão se afastar dos compromissos com a transição energética e a redução das emissões de carbono.
Logo em seu primeiro dia de volta à Casa Branca, o presidente Donald Trump assinou um decreto para retirar novamente os Estados Unidos do Acordo de Paris, medida que já havia adotado em seu primeiro mandato, entre 2017 e 2020. Na contramão dos esforços mundiais, o republicano ainda decretou estado de emergência energética nacional para ampliar a produção americana de petróleo e gás. Em seu discurso de posse, ele não deixou dúvidas sobre os rumos de sua política energética: “Vamos perfurar, baby”. Atrás apenas da China como o maior poluidor do mundo, os Estados Unidos são responsáveis por cerca de 12% das emissões globais de gases de efeito estufa — a título de comparação, a União Europeia contribui com 6% e o Brasil, com 2%. Por isso, é difícil imaginar que as metas globais de descarbonização possam ser alcançadas com os Estados Unidos fora dos acordos.
Ainda assim, a esperança na diplomacia e na colaboração internacional segue viva. “O Brasil vai conseguir fazer uma boa COP, apesar dos Estados Unidos”, diz Raphael Niemeyer, advogado do escritório Stocche Forbes. “Estaremos no meio da Amazônia, em um ano-chave para o mundo, e isso deve movimentar as negociações.” Afinal, frear o aquecimento global não é uma escolha, mas uma questão de sobrevivência para todos nós.
Publicado em VEJA, janeiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 10