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O ano começa com uma nova explosão de casos de dengue – e falta de vacina

O ano de 2024 foi trágico na explosão de casos e mortes pela dengue. Infelizmente, o verão de 2025 parece encaminhar para outros doze meses problemáticos. No ano passado, foram mais de 6,5 milhões de registros e 6 041 óbitos pela doença provocada pelo mosquito Aedes aegypti. Houve mais episódios e fatalidades em decorrência da enfermidade viral transmitida pela picada do inseto do que de covid-19, com 862 680 ocorrências e 5 959 óbitos (veja no quadro), no maior e mais constrangedor índice em quarenta anos de levantamento. Os dados indicam uma alta de 400% no número de vítimas, na comparação com 2023. Acende-se, portanto, agora, o alerta amarelo. Nas duas primeiras semanas de janeiro, segundo o Ministério da Saúde, registraram-se 52 000 casos prováveis e quatro mortes. É marca menor do que o anotado no mesmo período de 2024, mas nada, insista-se, que autorize tranquilidade. É bola cantada, dado o casamento das imposições do clima com a negligência oficial.

Há unanimidade entre os especialistas: as chuvas e o calor intenso provocados pelo fenômeno El Niño, além das mudanças climáticas aceleradas pelo mau comportamento da humanidade no zelo com o ambiente, são o caldo de cultura ideal para o Aedes. Verificou-se, ainda, uma mudança do grupo de microrganismos circulantes, chamado de sorotipo. A alteração encontra uma população mais vulnerável, ainda sem a devida proteção por meio de vacina. A doença tem quatro sorotipos diferentes, mas a infecção por um não garante a proteção contra todas as variantes. Dados epidemiológicos reunidos nas últimas semanas de 2024 apontam para uma maior circulação da variante 3, conhecida como DENV3. Ela não aparecia de maneira majoritária há pelo menos dezessete anos. Resultado: grande parte da população, em especial crianças e adolescentes, nunca a contraiu e, portanto, está suscetível. “É uma preocupação porque isso pode fazer com que tenhamos mais casos do que gostaríamos”, disse a VEJA a secretária de Vigilância em Saúde do governo federal, Ethel Maciel.

FUMACÊ - Agentes comunitários em ação: visitas suspensas com a covid-19
FUMACÊ - Agentes comunitários em ação: visitas suspensas com a covid-19Mateus Bonomi/Anadolu/Getty Images

O nó das vacinas é ponto de preocupação central. Um passeio a 2024 ajuda a entender o tamanho do problema: houve 6,4 milhões de doses distribuídas nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS), oferecidas apenas para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária com maior risco de hospitalização. Contudo, apenas 3,7 milhões foram aplicadas. Entre as razões para um número tão grande de doses ter ficado parado estão o desconhecimento do público (por falta de campanhas) e a baixa adesão à segunda dose, indicada mesmo para quem perdeu o prazo. No Brasil, existem duas vacinas aprovadas contra o patógeno, a Qdenga, produzida pela farmacêutica japonesa Takeda, e a Dengvaxia, do laboratório francês Sanofi-Pasteur. Devido à contraindicação da Dengvaxia para pessoas que nunca tiveram a infecção, apenas o imunizante japonês está disponível no SUS. O caminho, para quem pode pagar doses a partir de 300 reais, e até mais de 500 reais, são as clínicas privadas. No entanto, nas situações em que o imunizante francês é o único disponível, como ocorre no Hospital Albert Einstein, de São Paulo, a aplicação só é feita com pedido médico para pacientes com sorologia positiva para dengue — ou seja, nesse caso, quem nunca contraiu a doença terá de esperar o serviço público.

O desenho é de uma tempestade perfeita: o calor extremo, a inépcia das autoridades, a desconfiança com os imunizantes e uma novidade no panorama histórico. Durante a pandemia da covid-19, as visitas dos agentes de controle de endemias foram suspensas e, até agora, segundo o próprio governo, esse trabalho não foi retomado nos mesmos patamares de 2019 em alguns locais. Isso tem um peso grande, já que os dados coletados são essenciais para a condução de medidas efetivas, como a aplicação de larvicidas e a pulverização de inseticidas, conhecidas popularmente como fumacês. “Em 2024, o fator mais relevante foi a ação pública em relação à dengue nas três esferas de governo”, diz Antonio Carlos Bandeira, coordenador do Serviço de Controle de Infecção do Hospital Aeroporto e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Os problemas atávicos do país também precisam ser levados em conta, como o fato de 15,8% da população não ter acesso a água tratada — e, portanto, precisar recorrer a fossos e galões, afeitos à proliferação do mosquito —, enquanto 44,5% das pessoas ainda não têm coleta apropriada de esgoto. Soma-se a isso a falta de políticas satisfatórias de zeladoria pública, como a coleta de lixo e recicláveis.

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arte Dengue

O cenário incomoda e tem exigido movimentação de Brasília. O Ministério da Saúde anunciou a criação do Centro de Operações de Emergências, que deve atuar diretamente com os estados e municípios para centralizar a coordenação das ações. Há atenção especial com São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins, Mato Grosso do Sul e Paraná. Em 2025, estima-se haver vacinas suficientes para apenas 4,7 milhões de pessoas. Seria preciso imunizar 80% da população para ter algum efeito. Uma esperança: a aprovação pela Anvisa do imunizante produzido pelo Instituto Butantan. Ele garantiria a proteção contra os quatro sorotipos detectados até agora com apenas uma dose e 100 milhões de aplicações almejadas até 2027. Para o momento, resta torcer para que as previsões mais sombrias dos especialistas não se confirmem. É o fim da picada.

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927

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