Donald Trump gosta de Elon Musk. Não apenas do dinheiro que ele colocou na campanha presidencial, da relevância que dá ao trabalho de cortar gastos e da declaração de amor que fez quando disse que amava Trump “tanto quanto é possível para um homem hétero amar outro homem”. Mas evidentemente é complicado gerir alguém com tanto dinheiro, tanto poder, tanta ambição. Só um pequeno exemplo: no momento, ele briga na justiça para ganhar um bônus de 56 bilhões de dólares da Tesla. É a maior bonificação da história dos negócios em todos os tempos.
Na terça-feira, entre o anúncio do possível cessar-fogo na Ucrânia e a aceleração da guerra de tarifas com o Canadá, Trump achou tempo para um comercial ao vivo. Entrou num Tesla vermelho estacionado no jardim da Casa Branca, elogiou e falou que ia comprar um – com cheque, porque não gosta dessa história de transferência de dinheiro. Foi um mimo para o multibilionário cujas posições políticas estão tendo um custo pesado para a Tesla.
Não pega bem para um presidente promover o produto de uma determinada marca? Joe Biden fez algo parecido com carros elétricos ou híbridos de outras montadoras.
Mas os atritos são inevitáveis. Trump teve que interferir numa explosiva reunião ministerial em que Musk e o secretário de Estado, Marco Rubio, se estranharam feio – foi tudo vazado para o New York Times, pois assim funciona a política. O presidente pôs panos quentes e disse que cada secretário, ou ministro, teria a autoridade para praticar demissões dentro da campanha de corte de desperdícios. O papel de Musk era sugerir, não empunhar o facão diretamente.
Musk, obviamente, não tem o perfil de um simples conselheiro, um especialista que indica recatadamente onde poderiam ser feitos cortes.
PODER SEM MODERAÇÃO
Além do perfil oposto ao do modesto consultor, ele tem também o X: dá uma digitada e, pronto, arma, influencia ou muda um debate em escala planetária. É um bocado de poder, nem sempre exercido com moderação. Na questão da Ucrânia, seus palpites têm sido notavelmente errados ou desproporcionais.
Por exemplo, chamou de “traidor” o senador republicano Mark Kelly por ter feito uma visita à Ucrânia numa manifestação de apoio depois dos recentes ataques de Trump. É um despropósito total. “Não é certo, não é decente e tem um efeito negativo para a Casa Branca”, reagiu o deputado Don Bacon.
O deputado também criticou Musk pelo ataque absurdo contra o ministro das Relações Exteriores da Polônia, Radoslaw Sikorski.
Referindo-se à ameaça implícita de desligar literalmente os militares ucranianos se desconectasse a rede Starlink, o ministro lembrou que o custo dos satélites é bancado pela Polônia, à razão de 50 milhões de dólares por ano. “Fora a ética de ameaçar a vítima da agressão, se a SpaceX mostrar ser uma fornecedora não confiável, teremos que procurar outros provedores”, desafiou.
Musk respondeu chamando Sikorski de “homenzinho” e mandando que calasse a boca.
O deputado Bacon tem razão: pega mal tratar desse modo o chanceler de um país aliadíssimo como a Polônia.
QUANDO, NÃO SE
A discussão ilustra como Musk mudou em relação à questão ucraniana, acompanhando o movimento da direita trumpista. Se tudo redundar num acordo que acabe com a guerra de forma aceitável pelos ucranianos, mesmo ao preço de perder 20% de seu território, será um resultado positivo. Mas tratar a vítima a pancadas continuará a ser uma atitude desonrosa.
“A questão é como Trump vai se livrar de Musk, não se”, escreveu no Financial Times o colunista Edward Luce. “A posição dele está caindo tão depressa quanto as ações da Tesla”, acrescentou,
Reconhecer os pontos fracos de Musk não tem nada a ver com maluquices da extrema esquerda, que o transformou em besta fera, a ponto até de praticar ataques com coquetéis molotov contra revendedoras da Tesla.
Musk realmente tem o dom de fazer os adversários mostrar o que têm de pior.
As pesquisas mostram que seus índices de aprovação estão abaixo dos de Trump. O mundo da política é cruel e Musk tem que aprender suas regras. Nem o maior empreendedor do planeta, e também fora dele, escapa disso. Se se tornar um estorvo para Trump, não o trunfo espetacular de ter trabalhando a favor uma das maiores inteligências de todos os tempos, vai ter que voltar a seus foguetes.