Faz um ano que os argentinos deram início a um experimento econômico sem paralelo no mundo, ao empossar na Presidência o economista, debatedor de TV e provocador profissional Javier Milei. Autodenominado anarcocapitalista, da linha libertária mais radical, Milei, 54 anos, cabelos perenemente revoltos, chegou botando para quebrar: dizimou subsídios e benefícios, cortou repasses para a área social, reduziu aposentadorias, derreteu gorduras até onde não havia, fechou órgãos do governo e demitiu 30 000 funcionários públicos (quase 10% do acumulado em décadas de populismo peronista) — um enxugamento da máquina de dar inveja a Elon Musk, o bilionário que afia facas para decepar gastos nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, liberou todos os preços, pôs à venda as estatais e abriu as portas a todo e qualquer tipo de investimento estrangeiro. Dado a extremos também na política externa, seguiu atiçando divergências com o presidente Lula e outros desafetos. Em outubro, pediu e obteve a renúncia da ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino (vista como a figura mais equilibrada do governo), por ter orientado sua equipe na ONU a apoiar uma proposta de fim de embargo a Cuba.
Na crucial área econômica, Milei, ao longo do ano, colheu louros: a inflação mensal caiu do pico de 25% para 2,7% em outubro e as contas públicas registraram superávits consecutivos em todos os meses de 2024. O custo social, no entanto, foi imenso — segundo dados do próprio governo, o desemprego caminha para 8% e mais da metade dos argentinos (53%) vive hoje na miséria, dependendo de ajuda para comer. Manifestações de setores descontentes pipocam em Buenos Aires, mas a popularidade do presidente segue sólida e ele conta com isso para multiplicar os representantes de seu partido, A Liberdade Avança, no Congresso (hoje tem 39 deputados e sete senadores) nas eleições de outubro próximo. Unha e carne com Donald Trump, de quem espera um empurrãozinho para a entrada de dólares no país, Milei anunciou solenemente em novembro que a recessão acabou, que a economia vai crescer 5% e que a inflação anual não passará de 18% no ano que vem. Os argentinos estão pagando — literalmente — para ver.
Publicado em VEJA de 20 de dezembro de 2024, edição nº 2924