As pessoas querem saber onde os principais economistas do Brasil e do mundo se formaram, onde trabalham ou quanto ganham. Mas, quando as pesquisas dizem respeito a mulheres, as curiosidades se estendem também para temas que passam bem longe de suas profissões, como com quem são casadas, se têm filhos ou quantos anos têm.
VEJA pesquisou os nomes de economistas mulheres e homens do Brasil e do mundo no Google, que preenche automaticamente a caixa de texto com as expressões mais procuradas pelos internautas para as palavras que o usuário está buscando. Para todas as mulheres pesquisadas, “marido”, “filhos” e “idade” foram termos que se repetiram entre as indicações das pesquisas – a única que saiu ilesa de qualquer menção à sua família ou sua idade foi a atual diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-diretora do Banco Mundial, a economista búlgara Kristalina Georgieva.
Entre os homens, termos semelhantes também aparecem, mas em quantidade menor e para apenas uma parte deles. O único brasileiro para quem as buscas sugerem “esposa”, por exemplo, é o ex-presidente do Insper e ex-secretário da Fazenda Marcos Lisboa, que tem a particularidade de ser casado – além de sócio na consultoria de macroeconomia Gilbratar Consulting – com outra grande economista do mercado financeiro brasileiro, Zeina Latif. No caso de Latif, as indicações de busca por marido, filhos ou o próprio Lisboa, além da idade, dominam a lista de previsões de digitação do Google.
A reportagem pesquisou dez mulheres e dez homens economistas de perfis de relevância e visibilidade semelhantes. Entre as dez mulheres, as sugestões de busca ligadas a idade, filhos ou cônjuge apareceram no total catorze vezes. Se consideradas ainda as duas ocorrências que aparecem ligadas à aparência (as buscas pela altura de Janet Yellen e por informações sobre Christine Lagarde jovem), o total sobe para dezesseis. Entre os dez homens, foram cinco ocorrências de quaisquer desses tipos.
De acordo com as publicações do suporte do Google, o preenchimento automático das buscas em suas páginas e aplicativos são, a rigor, “previsões”, e não “sugestões”, e tem o objetivo de reduzir o trabalho de digitação dos usuários. Além das “pesquisas comuns que correspondem ao que alguém começou a digitar na caixa de busca”, as predições também consideram o idioma em que a pesquisa é feita, a localização de onde a pessoa escreve e temas de interesse que estão em alta em relação ao assunto, além do histórico de pesquisas do internauta.
As buscas da reportagem foram feitas em uma aba anônima do navegador, o que desconsidera as credenciais de login e históricos de navegação. As pesquisas foram feita na sexta-feira, 7 de março.
Veja a seguir os resultados encontrados:
É casada?
“Marido” foi uma das projeções do Google na procura pela ex-secretária do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do banco Santander, Ana Paula Vescovi.
Também apareceu para a ex-secretária da Fazenda de Goiás e ex-vice-presidente de Novos Negócios da B3, Ana Carla Abrão, e para a diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, Solange Srour. A procura pela idade ainda aparece para duas delas três.
A busca pelo cônjuge também aparece para outras três das mulheres pesquisadas além destas: Zeina Latif, Janet Yellen e a economista do FMI Gita Gopinath (veja mais abaixo).
Quantos anos tem?
Não é uma pergunta rara de aparecer nas buscas por outros economistas, executivos e nomes de relevância de qualquer gênero. Nessa amostra, ela apareceu para apenas dois dos dez homens, mas para sete das dez mulheres – casos da ex-diretora do Banco Central e chefe de pesquisa macroeconômica para a América Latina, Fernanda Guardado, e também da economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória.
Um casal
O único brasileiro para quem o mecanismo do Google apontou a busca por “esposa” foi Marcos Lisboa. Para Zeina Latif, ex-secretária estadual do Desenvolvimento Econômico de São Paulo, ex-economista-chefe da XP, sócia-diretora da Gilbratar Consulting e esposa de Lisboa, as previsões de busca incluem “marido”, “idade” e “filhos”, mais de uma vez.
Os colegas
Para o economista especializado em contas públicas Marcos Mendes, pesquisador do Insper e parceiro de Lisboa em uma série de pesquisas e artigos, as projeções de busca não retornam nenhuma menção à vida pessoal. O mesmo acontece com Caio Megale, ex-secretário do Ministério da Economia e que hoje ocupa o cargo de economista-chefe da XP, o mesmo por onde já passou Zeina Latif.
Os homens dos bancões
Para outros economistas brasileiros em postos importantes, homens, a única indicação de preenchimento nas buscas ligada à vida pessoal é a idade. Ela aparece para Mário Mesquita, que é ex-diretor do BC, como Fernanda Guardado, e hoje chefia a equipe de análise econômica do Itaú. A data de “nascimento” de Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, também aparece por lá.
No caso de Mansueto Almeida, que já ocupou o mesmo cargo de Ana Paula Vescovi, de secretário do Tesouro Nacional, e, como ela, que está no Santander, é hoje economista-chefe de um grande banco, o BTG Pactual, ninguém parece especialmente interessado em saber com quem é casado ou quantos anos tem.
Os banqueiros (e banqueira) do Fed
A idade (“age”), o marido (“husband”) e até a altura (“height”) são alguns dos termos vinculados às pesquisas pela superpoderosa Janet Yellen. Em um país que até hoje nunca elegeu uma mulher para presidente, Yellen se tornou a primeira mulher dos Estados Unidos a chefiar o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, em 2014, e também a primeira a assumir a Secretaria do Tesouro, em 2021.
Nenhumas dessas buscas aparecem nem para o seu antecessor no Fed, o economista vencedor do Nobel de 2022 Ben Bernanke, nem para o seu sucessor, o atual presidente do banco central dos EUA, Jerome Powell. Para os pares masculinos, dominam as previsões de digitação ligadas ao prêmio, livros, discursos e outras atividades profissionais.
O Banco Central Europeu
No BCE, que comanda os juros e a política monetária de toda a zona do euro, a disparidade não é muito diferente. A idade e os filhos (“fils”), além de buscas por “jovem” (“jeune”), estão nas pesquisas ligadas à atual presidente do banco central, a francesa Christine Lagarde, que já foi também ministra das Finanças da França e diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) – tendo sido a primeira mulher a ocupar todos os três cargos.
Para o italiano Mario Draghi, que presidiu o BCE antes de Lagarde e depois foi primeiro ministro da Itália, aparece a busca pela idade na lista.
E o FMI
“Marido” e “idade” aparecem nas buscas pela ex-economista-chefe do FMI e hoje número dois da cúpula executivo do fundo monetário, Gita Gopinath. O atual chefe da economia, Pierre-Olivier Gourinchas, diretor do Departamento de Estudos do FMI, é o único homem pesquisado pela reportagem, além de Marcos Lisboa, para quem aparece a procura por “esposa” (“wife”) nas termos vinculados às buscas pelo seu nome.
A sucessora de Lagarde e atual diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, é a única das dez economistas mulheres pesquisadas para quem as buscas não retornam nenhuma sugestão relacionada ao seu estado civil, sua família, sua idade ou seu corpo.
