Aguardadíssimo pelo público, o remake de Vale Tudo estreia finalmente nesta segunda-feira, 31. Autora da adaptação da obra originalmente escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, Manuela Dias falou com VEJA sobre o desafio de dissecar os dilemas morais da sociedade em um Brasil de 2025 — em comparação com o de 1988.
Confira a entrevista na íntegra:
Vale Tudo tinha um um contexto político-social cheio de paralelos com a realidade brasileira da época, com corrupção, impunidade, entre outros tema. O que mudou, melhorou ou piorou na sua opinião em relação a esses tópicos? A gente vive num país aonde a corrupção não está resolvida, obviamente. Acho que como sociedade de muitos pontos se estruturaram. Os índices de machismo, por exemplo, quando a gente vê na primeira versão, todos os homens batem nas mulheres, inclusive os mocinhos, e tem a questão da representatividade, não existiam atores negros, praticamente só tinham dois atores negros em papéis super tipificados, né, uma doméstica e um menino de rua que que roubava. Então, acho que a gente se estruturou e evoluiu em muitos pontos, por exemplo, o trabalho infantil. Não era tipificado um trabalho infantil. Então a Raquel (Taís Araujo) chama pessoas menores de rua para vender sanduíche. Hoje em dia isso está entendido que essas crianças deveriam estar na escola. Tem o tratamento com relação ao alcoolismo, que não era entendido como uma doença.
Por que ainda vale a pena falar dessas mazelas do Brasil? Muitas coisas, claro, avançaram, mas obviamente a gente, como sociedade, tem que avançar muito mais, inclusive com relação a novos desafios, né? Como o colapso climático é novos desafios que ficaram mais claros nesses 37 anos.
O que a Vale Tudo mostrará do Brasil de 2025? Assim, do ponto de vista da dramaturgia, Vale Tudo está para o gênero novela, como Édipo Rei está para o gênero de tragédias, né?É uma novela que ajuda a sedimentar o gênero, é um marco, e todas as histórias que existem são histórias que foram recontadas. Até a nossa história, e essas histórias vão criando uma identidade. E Vale Tudo tem um peso. O Chico Mendes foi assassinado no dia que foi revelado quem matou Odete Roitman (Beatriz Segall). Imagina o peso disso. Os assassinos do Chico Mendes usaram do fato de que o Brasil inteiro ia estar vendo a novela. A mulher do Chico Mentos estava vendo Vale Tudo. E é uma trama que segue totalmente atual.
Por que? A gente se questionar sobre se é possível ou não ser honesto no Brasil ou em qualquer outro lugar, se dá para ser bem-sucedido sendo honesto, essa é uma pergunta que sempre vai ser pertinente. A vontade de ser bem-sucedido, ela é muito legítima e todo mundo quer, né? Ninguém quer se dar mal na vida, passar fome, não realizar os seus sonhos.
A mudança racial das personagens Raquel e Maria de Fátima — agora interpretadas por Taís Araújo e Bella Campos — impactou muito o texto, quais foram as adaptações em relação a isso?Não só o Brasil mudou, como as lentes com que a gente olha a sociedade mudaram. Então, talvez a Raquel sempre fosse uma mulher preta, essa mulher batalhadora em todo sentido, acho que só aumentou a representatividade mesmo.
No mês passado, o Aguinaldo Silva — único autor vivo da obra original —comentou em uma entrevista que você acabou não procurando ele para falar sobre Vale Tudo. Por acaso você ficou com receio de conversar com ele e que isso talvez influenciasse o seu texto? Eu não sei, talvez assim, eu tenha sentido que todo tempo eu tô dialogando, né, com ele, com Gilberto e com a Leonor, porque eu revisto a novela, eu fiz a escaleta da novela inteira, e isso tudo é um diálogo, né? Eu não conheço o Aginaldo pessoalmente, será um prazer a qualquer momento conhecê-lo. Isso sequer passou pela minha cabeça porque algumas pessoas são tão distantes para a gente, né?