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Mães superpresentes: O que estilos parentais têm a nos ensinar?

Eu não vou citar o nome dela — vamos chamá-la de Paula. Paula é uma dentista talentosa e uma força da natureza quando se trata de maternidade. Seus dois filhos, já jovens rapazes, são o centro de gravidade do seu universo. Paula não apenas está presente na vida deles como praticamente é uma gestora de projetos, dedicada ao sucesso emocional, logístico e, claro, amoroso de seus meninos.

Quando o filho mais velho foi morar sozinho, Paula não se limitou a ajudá-lo a escolher um apartamento. Ela montou o apartamento inteiro, como se fosse um cenário de novela, com direito a utensílios de cozinha que ele provavelmente nunca usará. “Você nunca sabe quando vai precisar de um ralador de noz-moscada”, disse ela, embora ninguém na família tenha comido noz-moscada desde 2008.

Paula não é apenas uma mãe que monta apartamentos. É também a mãe que abraça as circunstâncias da vida com um amor quase sobrenatural. Quando o mesmo filho trouxe uma namorada com um perfil, digamos, excêntrico, para morar na casa dela por um tempo, Paula se adaptou à situação e cuidou da moça como se fosse da família. Quando a relação terminou, ela assumiu o cachorro da ex-namorada, porque, no seu entender “o bichinho não tem culpa de nada”.

Já o filho mais novo, ainda solteiro, teve uma experiência que só pode ser descrita como uma “investigação amorosa preventiva”. Antes mesmo de a ficante ganhar o status de namorada, Paula já estava discretamente checando o histórico familiar da jovem. Não por desconfiança, claro, mas “para garantir que ele não entrasse numa roubada”, segundo ela. Imagine um Sherlock Holmes, com uma xícara de café na mão e muito mais afeto envolvido.

Além de cuidar dos filhos, Paula expandiu seu amor maternal para “adotar” filhas – afinal, só teve meninos. Amigas dos filhos, ex-namoradas (e os caninos delas), e até jovens que só precisavam de um lugar seguro para se sentirem acolhidas foram integradas ao seu círculo de cuidados. Paula enxerga essas “filhas” como parte de uma missão maior: garantir que ninguém à sua volta passe por dificuldades sozinho.

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O que torna Paula fascinante é o quanto ela faz tudo isso com o coração transbordando de carinho. Ela não invade a vida dos filhos – ela a administra, e sempre com as melhores intenções. O amor dela é um campo gravitacional, que mantém todos orbitando perto o suficiente para ela saber o que está acontecendo, mas longe o bastante para que sintam que têm espaço para respirar (ou pelo menos, é o que ela acredita).

O comportamento de Paula pode ser analisado à luz das teorias psicológicas sobre estilos maternos, como a ideia de “maternidade culturalmente responsiva”, que descreve como mães altamente envolvidas e emocionalmente sensíveis às necessidades dos filhos promovem segurança e confiança. A psicologia identifica quatro estilos maternais principais: autoritário, autoritativo, permissivo e negligente, cada um com impactos distintos no desenvolvimento infantil.

O estilo autoritário, por exemplo, é caracterizado por altas exigências (high demand) e regras rígidas, com pouca flexibilidade ou explicação, focando em obediência. Esse estilo pode gerar crianças mais ansiosas e com dificuldades de socialização, uma vez que a rigidez das regras não oferece espaço para o desenvolvimento da autonomia.

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O estilo autoritativo, em contraste, também exige muito dos filhos, mas de maneira mais equilibrada. Mães autoritativas combinam afeto e firmeza, explicando as regras e incentivando a autonomia, o que está associado a crianças com melhor autoestima, habilidades sociais e regulação emocional.

O estilo permissivo, por sua vez, é marcado pela pouca disciplina e muita flexibilidade, o que pode resultar em crianças que têm dificuldades em lidar com frustrações e desafios, além de comportamento impulsivo.

Finalmente, o estilo negligente, o mais prejudicial, envolve uma falta de envolvimento e apoio, comprometendo o desenvolvimento emocional,
social e acadêmico das crianças.

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Esses estilos maternais têm implicações profundas no comportamento, nas habilidades sociais e na saúde mental das crianças, e estão apoiados em pesquisas que mostram como diferentes formas de cuidado afetam as áreas cerebrais responsáveis pela regulação emocional e pelo comportamento.

Filhos de mães autoritativas tendem a se sair melhor em contextos sociais e acadêmicos, enquanto que os de mães autoritárias, permissivas ou negligentes podem enfrentar dificuldades em áreas essenciais como autoestima, controle emocional e resolução de problemas.

A escolha do estilo materno, portanto, desempenha um papel crucial na formação do caráter e na saúde mental dos filhos ao longo da vida. A teoria dos estilos maternais foi inicialmente desenvolvida por Diana Baumrind, psicóloga da Universidade da Califórnia, Berkeley, nos anos 1960, e continuada por outros pesquisadores como Eleanor Maccoby e John Martin, da Universidade de Stanford. A literatura científica tem ampla confirmação desses estilos, com estudos associando cada um deles a diferentes desfechos de desenvolvimento, como níveis de ansiedade, habilidades sociais, desempenho acadêmico e bem-estar emocional.

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O cuidado de Paula, embora às vezes exagerado, pode-se dizer que decorre de uma estratégia evolutiva: garantir que o grupo esteja coeso, conectado e emocionalmente apoiado. Segundo a antropóloga Sarah Hrdy, o “aloparentalismo” – o cuidado comunitário – foi essencial para a sobrevivência humana, algo que Paula parece ter captado intuitivamente.

No fundo, Paula é o arquétipo da “síndrome da mãe judia”… que, ironicamente, nesse caso, não é judia. Ela encarna o estereótipo com perfeição: o cuidado que parece excessivo, mas vem de um lugar genuíno de amor; o zelo que transborda para a logística da vida dos filhos; e a capacidade inata de transformar qualquer problema em um ato de generosidade – mesmo que isso envolva adotar um cachorro imprevisto ou decorar um apartamento inteiro.

Se você é mãe ou foi criado por uma mãe como Paula, provavelmente entende essa dinâmica. É engraçado, às vezes até sufocante, mas também profundamente comovente. Porque, no final, Paula só quer garantir que os filhos estejam bem – e que, se não estiverem, ela estará lá, com um ralador de noz-moscada, uma análise cuidadosa das circunstâncias e muito amor para oferecer. No fim das contas, o mundo seria bem menos acolhedor e enfadonho sem mães como ela.

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* Ilana Pinsky é psicóloga clínica, doutora pela Unifesp. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Columbia

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