Líderes da Europa receberam com desconfiança a notícia de um cessar-fogo parcial de 30 dias na Ucrânia, aceito pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante telefonema com o seu homólogo americano, Donald Trump, na terça-feira 18. A reação europeia acompanhou a sensação do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que expressou “ceticismo” após o OK de Putin, mas ponderou que “se houver um cessar-fogo parcial, este será um resultado positivo”.
A descrença se solidificou com uma série de exigências russas para a trégua e após relatos de uma onda de ataques de drones russos à Ucrânia poucas horas após a ligação entre Putin e Trump. A Rússia, por sua vez, anunciou que drones ucranianos também alvejaram o país.
Em entrevista à emissora alemã ZDF, o ministro da Defesa da Alemanha, Boris Pistorius, afirmou, com doses de ironia, que “ataques à infraestrutura civil na primeira noite após esse telefonema supostamente crucial e grandioso não diminuíram”.
“Putin está fazendo um jogo aqui e tenho certeza de que o presidente americano não conseguirá ficar sentado assistindo por muito mais tempo”, disse Pistorius nesta quarta-feira, 19, acrescentando que o compromisso de Putin de interromper ataques à infraestrutura energética da Ucrânia – uma estratégia de guerra adotada por Moscou – não significa “basicamente nada”.
O ministro alemão também definiu como “inaceitável” a demanda do líder russo de que os países ocidentais interrompessem a ajuda militar a Kiev. Ele alegou que o intuito “muito transparente” de Putin é tentar impedir que os aliados “continuassem apoiando a Ucrânia e permitindo que ela realmente se defendesse caso houvesse outro ataque, durante ou após um cessar-fogo”.
Na contramão dos pedidos de Putin, Alemanha, França e Finlândia se comprometeram a continuar armando o Exército de Zelensky no conflito. O presidente finlandês, Alexander Stubb, destacou que “a Ucrânia tem um direito inegável de se defender por conta própria e apoiada por seus parceiros” e que “esse direito não pode ser restringido de forma alguma, nem agora, nem no futuro”.
A chefe de política externa da União Europeia (UE), Kaja Kallas, afirmou que “está claro que a Rússia não quer realmente fazer nenhum tipo de concessão”. O coro foi endossado pelo ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, que disse à Radio Nacional de España que tratava-se de uma “guerra de um homem só”, referindo-se o presidente russo. Ele, assim como Kallas, alegou que não há “nenhuma vontade real de Putin de parar esta guerra”.
“É positivo que se fale de cessar-fogo e de paz com a Rússia, mas ainda estamos muito longe da paz que a Espanha e o povo europeu desejam”, concluiu ele.
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Demandas de Putin
Após o telefonema com a Casa Branca, uma declaração do Kremlin apresentou uma longa lista de condições e demandas de Putin para o acordo. Embora afirme que tenha concordado com a trégua, o texto diz que o lado russo “delineou uma série de pontos significativos” que exigem consideração adicional, incluindo “controle efetivo” sobre qualquer cessar-fogo ao longo da linha de frente, e o pedido pelo fim da mobilização de ucranianos e do rearmamento de suas forças durante a pausa nos combates, juntamente com uma exigência mais ampla sobre “eliminar as raízes da crise”.
O comunicado também acrescentou a “condição-chave” de Moscou para evitar uma escalada maior do conflito: que aliados estrangeiros da Ucrânia “encerrem completamente” a ajuda militar e o compartilhamento de inteligência. Líderes europeus temem que essa exigência produza um cenário em que a Rússia possa se rearmar para atacar após o fim do cessar-fogo, enquanto a Ucrânia ficaria incapaz de preparar uma defesa.
O texto do Kremlin afirma ainda que Putin “respondeu construtivamente” à proposta de um possível cessar-fogo marítimo, e que mais negociações sobre essa questão estão previstas. A declaração conclui que o líder russo informou Trump sobre os planos para uma troca de 175 prisioneiros de guerra de cada lado com a Ucrânia, e “como um gesto de boa vontade” uma nova libertação de 23 soldados ucranianos “gravemente feridos”. (Curiosamente, a declaração russa contém uma passagem sobre uma ideia apresentada por Putin de “organizar partidas de hóquei nos Estados Unidos e na Rússia” entre jogadores russos e americanos de suas respectivas ligas nacionais.)
Em resumo, Trump e Putin concordaram com uma interrupção limitada nos ataques aéreos, mas parece que o americano não conseguiu pressionar seu colega para um cessar-fogo mais amplo, que incluiria operações militares terrestres e marítimas. O formato acordado — com foco na infraestrutura de energia e mais conversas sobre a interrupção das hostilidades no mar — está mais próximo da proposta original feita por Zelensky.