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Jogos de pressão: a ofensiva por normas mais rígidas para as bets

O Banco Central estimou que as empresas de apostas esportivas movimentaram algo em torno de 20 bilhões de reais em um único mês do ano passado. A totalização dos números de 2024 ainda está sendo concluída, mas já se sabe que uma parte significativa dessa montanha de dinheiro saiu de contas bancárias de beneficiários do Bolsa Família. De acordo com essa amostra, 3 bilhões de reais destinados a pessoas carentes para suprir necessidades básicas foram gastos em sites de apostas. Anualizado, esse valor atingiria a cifra de 36 bilhões de reais. Os números podem ser bem maiores. Há algo de errado quando recursos públicos que deveriam ser usados para atenuar a pobreza são investidos em palpites sobre jogos de futebol. Embora admita que não há muito que ser feito, o governo busca uma fórmula para tentar mitigar o problema. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal de Contas da União (TCU), com o apoio de várias entidades, defendem regras mais rígidas para o funcionamento das chamadas bets.

No fim do ano passado, o ministro Luiz Fux, do STF, determinou que o Executivo adotasse medidas para impedir a efetivação das apostas on-line com recursos de programas sociais. Em tese, seria a solução. O governo, porém, justificou que não tem como controlar os gastos dos mais de 21 milhões de famílias que recebem o benefício. A questão é complexa e envolve interesses que vão além do zelo pelo dinheiro público. A Confederação Nacional do Comércio (CNC), entidade que impetrou a ação que deu origem à decisão do Supremo, afirma que, da maneira como está, as bets violam o “princípio da dignidade humana” e atentam “contra a economia popular”. O motivo real da preocupação da entidade é o volume de dinheiro que está migrando das lojas para as empresas de apostas. “A ausência de políticas efetivas de prevenção e combate ao jogo compulsivo afeta diretamente o setor do comércio varejista na medida em que indivíduos redirecionam a renda destinada ao custeio de suas necessidades básicas à prática desenfreada do jogo, diminuindo a circulação de renda na economia local”, justifica a CNC.

PREOCUPAÇÃO - Comércio: dinheiro está migrando de lojas para apostas
PREOCUPAÇÃO - Comércio: dinheiro está migrando de lojas para apostasJoa Souza/Shutterstock

Convidados a participar das discussões, os bancos também cobram um regramento mais rígido, dizendo-se preocupados com o alto nível de endividamento das famílias e com a possibilidade de ampliação de crimes, como a lavagem de dinheiro. Um estudo apresentado no ano passado mostrou que 7 milhões de brasileiros contraíram dívidas por causa de apostas. A exemplo do que ocorre no comércio, recursos que estavam aplicados nas instituições financeiras estão migrando para os sites de apostas. A pressão por regras mais rígidas também envolve órgãos do próprio governo. Em documentos anexados a um dos processos que tramitam no TCU, a Abin, por exemplo, alertou para o risco de facções criminosas e grupos terroristas utilizarem as plataformas para movimentar, ocultar ou legitimar recursos ilícitos. O mercado das bets reagiu. “Empresas autorizadas têm como obrigação o reporte diário de informações sobre as operações para o Sistema de Gestão de Apostas do governo, permitindo fiscalização do poder público e identificação de movimentações suspeitas por apostadores das plataformas”, esclarece, em nota, o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável. “Em caso de suspeita, pode haver bloqueio do usuário e até de uma determinada aposta”, completa.

Até 2023, os sites não eram submetidos à fiscalização do poder público. Muitos deles, inclusive, operavam fora do Brasil, não recolhiam impostos, não tinham identidade comercial nem eram submetidos a qualquer tipo de fiscalização. Além da necessidade de regramento, o governo enxergou nas bets uma promissora fonte de recursos para melhorar as contas públicas. O Ministério da Fazenda impôs então uma série de condições para autorizar o funcionamento dos sites. De acordo com a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), criada para normatizar o setor, as exigências minimizam o risco de empresas fantasmas explorarem o negócio, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foi incumbido de alertar sobre qualquer transação suspeita ou indício de lavagem e os apostadores precisam fazer reconhecimento facial. Antes de operar, os sites precisaram pagar 30 milhões de reais por uma outorga. Depois, passaram a recolher 12% de tributos sobre a receita bruta, o que deve gerar uma arrecadação extra para os cofres da União de 20 bilhões de reais em 2025.

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DESVIRTUAMENTO - Bolsa Família: beneficiários gastaram 3 bilhões de reais em um mês
DESVIRTUAMENTO – Bolsa Família: beneficiários gastaram 3 bilhões de reais em um mêsLyon Santos/MDS//

Há pontos que precisam ser aperfeiçoados na nova legislação, como uma preocupação maior com o impacto do vício em bets sobre a saúde pública. Infelizmente, no entanto, as discussões se concentram a favor de uma reviravolta radical, o que gera uma grande instabilidade jurídica. Deve entrar na pauta do STF este ano o julgamento de ações da PGR e do comércio contra a legalização da jogatina. “O mercado de bets está no país desde 2018 e até este momento ninguém tinha falado nada de efeitos nocivos na economia”, diz Plínio Lemos Jorge, presidente da Associação Nacional de Jogos e Loterias. “Não vejo motivos para todo esse alarde.” Há muito dinheiro e interesses em jogo. É essa a raiz do alarde.

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927

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