O deputado federal André Janones (Avante-MG) se empenha em um esforço argumentativo para afirmar que “não foi uma confissão” a confissão feita e registrada no acordo de não persecução penal, validado pelo Supremo Tribunal Federal na semana passada. Nele, admitiu que embolsava mensalmente – e não devolvia – parte dos salários dos assessores de gabinete. A prática popularmente conhecida como rachadinha é crime, muito embora ele arrisque dizer o contrário: “Não existiu crime”.
Em entrevista a VEJA, o aliado do presidente Lula para embates nas redes sociais apresentou a sua interpretação. “O que houve foi uma confissão formal e circunstancial de conduta”, relativizou. A visão bem peculiar da realidade passou a ser divulgada por Janones em notas públicas, nas redes sociais – onde tem 13 milhões de seguidores – e em entrevistas desde que ficou livre do processo no STF. Teria sido “tão somente uma confissão factual”.
A Polícia Federal investigou e concluiu que Janones agiu criminosamente nos dois primeiros anos de mandato. Sem muita dissimulação, embolsou parte dos salários de dois assessores do gabinete. Foram pelo menos 131 000 reais desviados em 2019 e 2020, usados para gastos pessoais como móveis, itens para casa, roupas e até em uma clínica de estética.
Os delitos – que concordou cessar no acordo e, agora, nega existir – se configuravam por meio de repasses mensais feitos pelos contratados. O dinheiro ia para o bolso do parlamentar de duas formas: por meio de uso de um cartão de crédito adicional da conta de um funcionário, que pagava as faturas das despesas do chefe, e de saques em dinheiro vivo feitos após o depósito dos vencimentos em conta. Relatório conclusivo do inquérito diz que as provas de crimes de rachadinha são “contundentes”.
A visão de Janones sobre os fatos, porém, é outra. Por ela, nem ele nem a Justiça reconheceram crime porque “não houve julgamento”. Isso porque o acordo como o que o beneficiou é um instrumento jurídico oferecido em casos de crimes sem violência, de pena prevista menor que quatro anos de prisão e dano causado que não chegue a cifras elevadas. O Ministério Público concorda em não denunciar à Justiça o investigado. Em contrapartida, ele tem de confessar e interromper a prática dos delitos, devolver os valores surrupiados e pagar multa.
Numa contemporização, Janones apenas admite o uso do cartão de crédito. Logo no primeiro dia de trabalho, em fevereiro de 2019, seus assessores receberam a ordem de compartilhamento. Devolver parte dos salários, para ele, visava recompor seu patrimônio, “dilapidado” na campanha eleitoral.
O exercício interpretativo de Janones é que não se pode falar em crime praticado sem haver uma denúncia, virar réu e ser submetido a julgamento. A “confissão do uso do cartão e a celebração do acordo” não significam “juridicamente que houve crime”, nem é “reconhecimento de culpa”, afirma.
De fato, o acordo fechado extinguiu a possibilidade de um processo judicial, livrando Janones mais uma vez de responder formalmente pela rachadinha. Mas não apaga o passado e o fatos, já que a PF afirmou ter comprovado os desvios no gabinete do deputado.
Nas redes sociais e em entrevistas, Janones não só sustenta inocência, mesmo após admitir o crime, como prefere falar do caráter positivo do desfecho. “As partes decidiram resolver a situação por meio de um acordo legalmente previsto”, diz. E garante que o acordo foi em prol da sociedade, já que as provas não eram “consolidadas” e que buscou-se “garantir celeridade, economia processual e evitar desgastes desnecessários ao Estado e ao cidadão investigado”.