A mera existência de uma articulação política para alteração na Lei da Ficha Limpa, reduzindo o tempo de inelegibilidade de oito para dois anos, é a prova cabal da total desconexão dos nossos políticos com a sociedade brasileira e os seus anseios e aflições.
O objetivo dessa mudança seria viabilizar a participação de Jair Bolsonaro no pleito de 2026. Isso beira o escárnio.
Por outro lado, no mesmo momento, observamos o presidente Lula priorizando a acomodação do ex-presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, em um dos ministérios de seu governo. Fala-se na possibilidade de um “sonho” de Pacheco ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, e, também, da “honra” que ele teria em ser governador de seu estado, Minas Gerais. Esse tema, ao que parece, é o que mais tem preocupado o presidente da República nesses dias.
Enquanto isso, enquanto os políticos buscam alterar leis para viabilizar candidaturas de pares decaídos, de diminuir possibilidades de punição daqueles que cometem desvios, de promoverem a manutenção de suas posições e benesses, de pavimentar caminhos e carreiras de correligionários – eternizando-se no poder –, a sociedade brasileira, o povo, sofre com uma crise crônica, crescente e infinita de criminalidade (segurança pública).
Estatísticas de roubo de automóveis batendo números estratosféricos, facções e organizações criminosas avançando sobre mercados estratégicos, alta delinquência financiando campanhas políticas, existência de áreas onde o poder público não entra sem autorização do crime, envolvimento de PMs e policiais civis em assassinatos de políticos e de colaboradores da Justiça… e nenhuma medida concreta é definitivamente encaminhada e entregue pela classe política, seja ela do Executivo ou Legislativo.
E a crise segue incólume…
Em momentos como o atual fica claro e patente que os políticos – em sua grade maioria – existem, funcionam e colocam energia exclusivamente em temas que os interessam e os beneficiam, como as emendas de orçamento e as normas eleitorais, aspectos que inviabilizam a própria renovação do Congresso Nacional.
A situação de um país que caminha para um narcoestado, sofrendo um processo galopante de mexicanização de suas estruturas políticas e econômicas deveria ser uma vergonha para deputados, senadores, ministros e governadores de estado.
Nenhum homem público, com um mínimo de decência, poderia dormir tranquilo com um quadro como o atual. Estamos tangenciando perigosamente um caso agudo do que as ciências políticas denominam como “state capture”.
Não é difícil concluir que, para muito além da delinquência violenta das facões e orcrims, que a nossa sociedade é (desgraçadamente) refém de seus representantes (sic) e da sua própria classe política como um todo.