A primeira semana de Hugo Motta na presidência da Câmara dos Deputados foi marcada por gestos calculados e sinalizações políticas que reforçam sua intenção de consolidar um protagonismo próprio. Em seu discurso de posse, evocou a imagem de Ulysses Guimarães ao erguer a Constituição e declarar “ter nojo da ditadura”, um gesto carregado de simbolismo e direcionado tanto para a plateia política quanto para a opinião pública. Ao mesmo tempo, apresentou uma proposta de criação de uma plataforma digital integrada entre os Três Poderes para permitir o acompanhamento em tempo real das despesas públicas, uma medida que reforça a crescente demanda por transparência na gestão do Estado.
Ao se posicionar sobre os eventos de 8 de janeiro, Motta rejeitou a tese de golpe, classificando os atos como uma agressão às instituições, mas sem as características organizadas de uma ruptura institucional. Sinalizou também disposição para discutir temas sensíveis, como a anistia aos envolvidos nos atos e a revisão da Lei da Ficha Limpa, sugerindo que o período de inelegibilidade de oito anos pode ser excessivo. Com isso, deixou claro que pretende conduzir debates relevantes, mesmo que eles enfrentem resistência.
No campo econômico, fez acenos e ressalvas ao governo. Reconheceu os esforços do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas cobrou medidas concretas para conter a inflação e enfrentar os desafios fiscais. A postura crítica ficou evidente ao discordar de pontos do pacote econômico apresentado pelo governo, uma sinalização de que não se alinha automaticamente à agenda do Planalto e de que a Câmara não será apenas uma instância de homologação das propostas do Executivo.
Na arena política, Motta se posicionou contra a polarização estéril, ironizando a chamada “guerra dos bonés” entre parlamentares e defendendo que a Câmara foque em debates estruturais. Também propôs maior previsibilidade nas votações do Plenário, buscando otimizar a tramitação legislativa e consolidar sua imagem de gestor eficiente.
O que mais diferencia Motta de seus antecessores, no entanto, é sua aposta no uso intensivo das redes sociais. Ele se tornou o primeiro presidente da Câmara a investir diretamente nesse canal como ferramenta de comunicação e construção de imagem. Em sua estratégia, além de vídeos curtos e dinâmicos, criou o quadro “Dá um Hoogle”, voltado a esclarecer dúvidas sobre o funcionamento da Câmara. O primeiro vídeo foi lançado no sábado, dia de sua eleição, e já acumula quase 600 mil visualizações. Nele, brinca com o fato de que muitos foram ao Google pesquisar quem ele é: “Nada contra o Google, mas como agora a gente vai se encontrar aqui nas redes todos os dias, resolvi fazer meu próprio buscador. Bem-vindos ao Hoogle.”
Esse modelo de comunicação direta com a população não apenas amplia sua base de apoio como fortalece sua posição política dentro do Congresso. Mais do que apenas divulgar ações institucionais, Motta busca criar um canal de engajamento com um público mais amplo, fortalecendo sua autonomia e elevando seu capital político.
Ao marcar posição, Hugo Motta segue a tradição recente dos presidentes da Câmara de reafirmar a independência da Casa em relação ao Executivo. Logo nos primeiros dias, fez questão de discordar publicamente de pontos do pacote econômico de Haddad, sinalizando que pretende exercer sua liderança sem subordinação ao governo. Suas movimentações coincidem com o início da tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe a implementação do semipresidencialismo no Brasil. Mais do que um debate teórico, essa proposta reflete uma realidade já em curso: o protagonismo crescente do Congresso na definição da agenda nacional e a limitação progressiva do poder unilateral do presidente da República. Motta não apenas compreende essa dinâmica, como parece disposto a consolidá-la.