O governo de Donald Trump planeja demitir quase todo o corpo de funcionários da USaid, agência dos Estados Unidos responsável por cerca de 40% de toda a assistência humanitária do mundo. Os mais de 10 mil cargos atuais seriam reduzidos para cerca de 290, que seriam colocados sob o guarda-chuva do Departamento de Estado.
As informações foram divulgadas pelo jornal The New York Times nesta sexta-feira, 7, com base em depoimentos de fontes informadas sobre o assunto. Segundo a reportagem, a enxuta equipe restante vai incluir um punhado de funcionários especializados em assistência humanitária e de saúde. Apenas 12 seriam focadas na África, um continente com 54 países, oito na América Latina e Caribe, 21 no Oriente Médio e oito na Ásia.
Além disso, cerca de 800 prêmios internacionais e contratos administrados pela USaid seriam cancelados, disse o NYT.
A medida faz parte de uma grande operação de cortes de gastos públicos, liderada pelo bilionário Elon Musk na condição de chefe de uma força-tarefa apelidada Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês).
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Agência sob ataque
A partir desta sexta-feira, quase todas as contratações diretas da agência, incluindo sua lista de oficiais do Serviço Exterior, que terão 30 dias para voltar aos Estados Unidos, serão colocadas em licença administrativa por tempo indeterminado ou ou dispensadas. Fora que quase todos os funcionários terão suas ordens de serviço encerradas.
O secretário de Estado americano, Marco Rubio, que assumiu o controle da USaid como administrador interino na segunda-feira 3, insistiu durante uma entrevista à emissora Fox News nesta semana que as medidas não tem por objetivo “se livrar da ajuda externa”.
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“Hoje há insubordinação na hierarquia (da agência)“, justificou, acrescentando que funcionários não apresentam “qualquer cooperação, então não tivemos escolha a não ser tomar medidas drásticas”.
Na quinta-feira, ele reiterou a promessa de que alguns trabalhadores receberiam isenções para minimizar as dificuldades da reforma repentina. “Não estamos sendo punitivos aqui. Mas esta é a única maneira de conseguirmos a cooperação da USaid”, disse Rubio a repórteres durante viagem à República Dominicana, parte de um giro pela América Latina.
Reação
Funcionários da USaid estão pressionando o governo por cortes menos severos. Nesta semana, enviaram ao Departamento de Estado listas muito maiores do que a proposta pela Casa Branca, com postos que consideraram essenciais para executar programas que salvam vidas mundo afora.
Além disso, a Associação Americana de Serviço Exterior e a Federação Americana de Funcionários do Governo, dois sindicatos que representam os funcionários da agência, entraram com uma ação judicial na quinta-feira 6 contra Trump, Rubio, o Departamento do Tesouro e o chefe da pasta, Scott Bessent. O processo argumenta que a redução da equipe e o cancelamento de contratos de assistência humanitária global são inconstitucionais e violam a separação de poderes.
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“Há uma apreensão ilegal desta agência pelo governo Trump, em uma clara violação dos princípios constitucionais básicos”, disse Robin Thurston, diretor jurídico da Democracy Forward, uma das duas organizações de defesa que representam os sindicatos. Segundo ele, as ações da Casa Branca desencadearam “uma crise humanitária global”.
O processo busca uma liminar para impedir tanto a demissão quando o afastamento por tempo indeterminado dos funcionários, além do desmantelamento da agência. O principal argumento é que a USaid não pode ser desmontada sem a aprovação do Congresso, já que o legislativo aprovou uma regulamentação apoiando a agência e continua a financiá-la como uma entidade única.
O que é a Usaid?
Caso o governo Trump seja bem-sucedido, as consequências serão explosivas para uma ampla gama de programas administrados pela agência. Criada em 1961 pelo presidente John F. Kennedy por meio da Lei de Assistência Estrangeira, que reuniu vários programas existentes na nova agência, a Usaid é o maior doador individual do mundo.
No ano fiscal de 2023, os Estados Unidos destinaram por meio da agência um total de US$ 72 bilhões (quase R$ 421 bilhões, na cotação atual) em ajuda humanitária para diversas áreas, incluindo saúde feminina em zonas de conflito, acesso à água potável, tratamentos para HIV/aids, segurança energética e combate à corrupção. Em 2024, a agência forneceu 42% de toda a ajuda humanitária no mundo rastreada pelas Nações Unidas. A Usaid, porém, compõe menos de 1% do orçamento federal.
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A agência financia projetos para fornecer assistência a regiões atingidas pela fome no Sudão, distribuir livros didáticos para crianças em idade escolar deslocadas na Ucrânia e treinar profissionais de saúde em Ruanda. Os principais beneficiários do financiamento incluem Ucrânia, Etiópia, Jordânia, República Democrática do Congo e Somália.
Programas de saúde foram o maior setor da Usaid em financiamento desde o início dos anos 1990, principalmente após 2004, com os esforços do Departamento de Estado americano para combater o HIV/aids. Em 2022, o setor de saúde foi ultrapassado pela assistência humanitária como o maior financiamento da agência e, no ano seguinte, a assistência de governança se tornou o maior setor da Usaid como resultado do apoio dos Estados Unidos à Ucrânia.
Mais de 10 mil pessoas trabalham para a agência, cerca de dois terços das quais atuam no exterior, de acordo com o Congressional Research Service (CRS).