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Felizes aniversários

Se alguém dissesse que era ensaio para um filme do David Lynch eu acreditaria. Na noite do dia 1º de janeiro de 2025 dividi uma mesa com 19 moradores da minha rua, todos vestindo roupas cinza, usando tiaras com orelhas longas e exibindo pompons nos traseiros, simulando cauda de coelho. Ah, tínhamos os rostos pintados com narizinhos e bigodes. (Somos adultos, cabe salientar!)

Não estávamos performando nenhuma esquete humorística. Não se tratava de uma bizarra celebração de Ano Novo, tampouco de um concurso de fantasia. Tomávamos cerveja austríaca e comíamos goulash segedin, em uma festança que começou por volta das 19h e avançou até depois da meia-noite.

Era o aniversário de 70 anos do Milan, um dos meus vizinhos. Na deliciosamente caipira Gorenjska, região da Eslovênia onde vivo, os aniversários de dezenas são celebrados de um modo muito típico, com oba-oba especial, faixas dependuradas na frente das casas e uma alegria incomum. No incrivelmente acolhedor vilarejo que divido com outros cerca de 200 habitantes, essas datas ganham contornos ainda mais nítidos.

Experimentei na própria pele em agosto do ano passado, quando completei os 40 anos necessários para justificar meus fiapos brancos de barba e a calvície que avança em uma urgência igual à dos donos de boiadas que querem desmatar a Amazônia.

Na véspera, fui surpreendido na porta de casa com uma algazarra bonita. Os vizinhos vestiam trajes tradicionais eslovenos e, na companhia de uma dupla de profissionais dançarinos desses festejos históricos, fizeram a mim uma apresentação de polca típica. Não parou aí. Fui convidado, sem direito a objeções, a vestir uma dessas roupas — eles providenciaram tudo. E, fazendo par com a minha extraordinária cônjuge, amavelmente precisei entrar na roda.

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A faixa é meu diploma de cidadão honorário, acolhido pelos locais

Estou longe de ser o maior devoto das tradições, sobretudo dessas tantas que acometem grande parcela das pessoas aos finais de ano, mas desde que fui incluído na trupe dos poucos e bons moradores deste pequeno povoado aqui nos confins da Eslovênia, confesso que tenho me permitido mergulhar nos hábitos, nas manias e nos ritos sociais que são caros aos locais.

A véspera do meu aniversário de 40 anos terminou com farta comida, muita bebida e cantoria. À meia-noite, entoaram parabéns em esloveno, brindaram à minha saúde, abraçaram-me. E pensar que antes me diziam que os eslavos eram muito frios…

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Esta festa peculiar, completamente pensada e organizada pelos vizinhos, funcionou para mim como um certificado de pertencimento. Foi a prova inconteste de que eles me veem como um deles. E isto é extremamente significativo em um mundo cheio de discursos de ódio, xenofobia e discriminações de toda a sorte.

Fui acolhido. Desde a zero hora dos meus 40 anos eu tenho uma espécie de cidadania honorária, um atestado vitalício de morador de Koritno, o nome deste povoado.

Ao contrário de mim, Milan, assim como todos os demais residentes dos arredores, já sabia que seria surpreendido pelos vizinhos na noite que antecedia o seu aniversário de data redonda. Se eu fui pego de surpresa, sem camisa, já recolhido em meu quarto, ele estava dignamente vestindo uma gravata estampada com números 70, todo festivo.

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Mas era surpresa para ele, como sói acontecer, o tema da festa. Estávamos todos de coelhos cinza não porque queríamos antecipar a Páscoa ou porque estávamos planejando uma celebração com coelhinhas da Playboy desnudas e sorridentes. Coelhos Acinzentados, em esloveno, é o nome do grupo de motoqueiros do qual ele fazia parte.

Desde o dia 1º a fachada de sua casa ostenta uma faixa com sua fotografia e uma mensagem de aniversário. Assim como ficou a minha no ano passado. No homenageado, provoca uma estranha sensação: fica no limite entre o vexatório e o orgulho. Pela tradição, a honraria precisa ser mantida pelo número de dias correspondente aos anos comemorados.

Eu guardei minha faixa.

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É meu diploma.

É a certeza de que fui acolhido.

Calorosamente.

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