Em um ambiente marcado por tarifas protecionistas e possíveis retaliações comerciais, os membros do Federal Reserve, o banco central americano, projetaram um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mais modesto e uma inflação mais resiliente, acima das expectativas, para este e o próximo ano.
A mediana das projeções do crescimento real do PIB foi revisada para baixo: de 2,1% para 1,7% em 2025, sinalizando uma economia que parece perder fôlego. Para 2026, a estimativa também recuou, de 2% para 1,8%, refletindo um cenário de menor vigor econômico no médio prazo. Em contrapartida, as projeções de inflação subiram. O Índice de Preços de Gastos com Consumo Pessoal (PCE), a métrica preferida do Fed para monitorar a inflação, foi elevado para 2,7% em 2025, com uma modesta queda para 2,2% no ano seguinte. É apenas em 2027 que o banco central americano espera retornar à meta de 2%.
Esses números evidenciam a difícil encruzilhada em que o Fed se encontra. Segundo Daniel Cunha, estrategista-chefe da BGC Liquidez, o banco central reconhece “um risco maior para um cenário estagflacionário”, no qual a economia pode enfrentar o pior de dois mundos: crescimento lento e inflação persistentemente alta. “Isso traz complexidades adicionais para o mandato dual do Fed, que envolve equilibrar o controle da inflação com a manutenção de um mercado de trabalho robusto”, acrescenta Cunha.
De fato, as projeções (guidance) oferecidas pelo Fed expõem as dificuldades de navegar nesse cenário de incertezas. Como observa Marcos Moreira, sócio da WMS Capital, a combinação de uma queda nas projeções de crescimento econômico com o aumento nas estimativas de inflação indica que as recentes medidas protecionistas da Casa Branca já começaram a impactar as expectativas do banco central. “Acreditamos que essas projeções refletem implicitamente os possíveis impactos das tarifas impostas, e das retaliações que estão por vir. O Fed, no entanto, não quer se comprometer com impactos que ainda não são totalmente conhecidos, o que aumenta a incerteza sobre os preços”, comenta Moreira.
Para ele, o maior desafio para o Fed é lidar simultaneamente com a desaceleração do PIB e o aquecimento da inflação. “O Fed está com um olho no peixe — a meta de inflação — e outro no gato — a desaceleração do crescimento econômico”, diz. Essa dicotomia só é reforçada pela resiliência do mercado de trabalho, que se mantém em níveis historicamente baixos de desemprego.
Segundo Plínio Zanini, diretor de risco da Ciano Investimentos, o Fed parece estar buscando ganhar tempo, com cortes nas taxas de juros projetados apenas para o segundo semestre de 2025. “ O Fed quer ver como as políticas da Casa Branca, especialmente as tarifas, impactarão a inflação antes de tomar qualquer ação mais ousada”, afirma Zanini.
O maior temor entre analistas é que, em meio a essas dificuldades, o Fed acabe reagindo tarde demais. Com os cortes nas taxas de juros adiados para a segunda metade de 2025 e o mercado global em constante mudança, o risco de uma recessão parece cada vez mais palpável. Afinal, a confiança do consumidor americano já mostra sinais de fragilidade, com quedas consecutivas nos índices de confiança. E, historicamente, um consumidor inseguro tende a frear o motor da maior economia do mundo.
O Fed segue navegando em águas turbulentas, buscando um difícil equilíbrio entre combater a inflação e manter a economia americana em movimento. Os próximos meses serão um verdadeiro teste para a instituição, que precisará mostrar habilidade e agilidade para evitar uma recessão indesejada — e, ao mesmo tempo, assegurar que a inflação não escape de seu controle.