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É fevereiro mas não tem carnaval

Há um banzo comum a todos os brasileiros degredados e é aquele que bate fundo todo fevereiro, não tem jeito. Não importa se o desgraçado não sabe sambar, é ruim da cabeça e doente do pé, finge que não sabe de cor as marchinhas ou mesmo posa de “não pega bem reforçar esse estereótipo, veja só”. Ou seja: não importa ser exatamente como este humilde escriba aqui. Não importa.

É fevereiro, é carnaval. As notícias estão à mostra, mais explícitas que as nudezes exuberantes nos desfiles, e os cliques do mouse são tão tentadores quanto mais uma cerveja gelada no embalo do bloco de rua. As redes sociais esbanjam fotos invejáveis, porque beirando a indecência: amigos queridos já festejam pelos blocos. É fevereiro, tem carnaval.

Mas aí da persiana semicerrada daqui deste hemisfério tudo o que vejo é a escuridão invernal, tudo o que ouço é o silêncio insuportável, tudo o que sinto é frio, de vez em quando um arrepio de saudade.

A véspera de minha partida definitiva para o estrangeiro teve carnaval. Naquele longínquo sábado de 2018, pelas notícias que li pouco antes de entrar no avião, 2 milhões de foliões farrearam no Largo da Batata, a poucos metros de onde morava. Minhas últimas lembranças daquele velho apartamento são os amigos entrando e saindo para a despedida com os cabelos cheios de confete, os abraços calorosos, os goles um tanto amargos pela saudade antecipada — mas a janela ficou aberta e era possível ouvir a festa popular.

Em dado momento peguei uma cachaça, ensimesmei-me no parapeito. O bloco da vez homenageava Caetano Veloso e, talvez fossem meus delírios de quase autoexilado, era o próprio Caetano Veloso que cantava “adeus, meu Santo Amaro, que eu dessa terra vou me ausentar”, “no dia que eu vim-me embora não teve nada demais”, “I’m wandering round and round, nowhere to go”, “e quando eu me vi sozinho, vi que não entendia nada, nem de por que eu ia indo nem dos sonhos que eu sonhava”.

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Uma vez caí na besteira de querer conhecer o mais tradicional carnaval esloveno. Foi uma experiência inesquecível — só que negativamente. Ano passado fomos ver qual é a do carnaval de Veneza. Nova decepção. Deve ter carnaval no mundo inteiro, mas no mundo inteiro não há carnaval que não seja o do Brasil.

Bloco de Gelo: o nome do bloquinho de carnaval que queria criar no inverno daqui

Dois milhões de foliões em um sábado no Largo da Batata. A Eslovênia tem 2 milhões de habitantes. Ponto.

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Para um brasileiro, carnaval na gringa é tipo botar água no chope. Só que nem tem chope. Cada lugar tem o seu carnaval, com festas e espíritos completamente diferentes. Mas fora do Brasil parece que lugar nenhum tem carnaval.

Já pensei em reunir a meia-dúzia de compatriotas que vive nos arredores, comprar serpentina e purpurina e, então, dar um jeito de montar um grupinho de foliões desajeitados, apostando que ninguém tem lá muita ginga. Bloco de Gelo seria o nome, obviamente inspirado no fato de que fevereiro aqui é o auge do inverno.

Mas veio o aquecimento global e nem gelo temos mais direito. Sonhei com isso. Era o carnaval da catástrofe climática e, no bem-bolado enredo do meu inconsciente, a musa da escola de samba tinha nome, certidão de nascimento e passado eslovenos: Melania Trump, tal e qual aquela escultura que fizeram para ela em sua cidade-natal, desfilava como rainha da bateria. O maridão vinha logo atrás. Não estava tão laranja como de costume, ostentava uma pele avermelhada, torrada pelo sol de Copacabana. Sambava daquele jeito gringo destrambelhado, usava camisa estampada com flores coloridas e tinha uns colares havaianos dependurados no pescoço. Era o rei momo.

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Sim, meu sonho foi um pesadelo. Nem acho que teve ziriguidum no balacobaco — com essa duplinha apocalíptica os labirintos da mente não gastam confete.

Ainda não havia contado aqui mas desde o início deste ano divido a apresentação de um simpático podcast sobre música brasileira, o Travessia, com o também estrangeirado Fernando Vives. Ele lá da Austrália, eu cá da Eslovênia. Dias atrás gravamos um de temática carnavalesca, e isto só contribuiu para atiçar a brasilidade que se nos acomete de modo muito mais especial nesta época do ano. (Se quiser ouvir, pode conferir neste link — não sei se a esta altura a mais recente edição já estará no ar!)

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