Duas décadas após a descoberta dos microplásticos, a ciência finalmente começa a descobrir mais, não só sua vasta disseminação no meio ambiente, mas também sobre a sua presença no corpo humano. E os dados podem surpreender: em um estudo divulgado esta semana, pesquisadores revelam que a quantidade desse elemento nos nossos órgãos está aumentando com o passar do tempo – e o cérebro é o mais afetado por esse fenômeno.
A investigação foi conduzida por cientistas da Universidade de Ciências da Saúde do Novo México, nos Estados Unidos, e divulgada na renomada Nature Medicine. Para fazer esse estudo, os cientistas coletaram 28 amostras de cérebro, rim e fígado de corpos que passaram por autópsia em 2016, repetindo as coletas no sistema nervoso central em 2024.
De acordo com eles, ao comparar amostras mais recentes com as mais antigas, foi possível observar que a quantidade de nano e microplásticos presentes no corpo humano está aumentando com o passar do tempo. Além disso, notaram que o cérebro acumula de 7 a 30 vezes mais desse elemento do que o observado no fígado ou nos rins.
Por fim, ainda avaliaram 12 amostras adicionais de cérebro de pessoas com demência e os números chamaram atenção: a quantidade desses pequenos pedacinhos de plástico é maior nesse grupo do que nas pessoas sem esse diagnóstico. “Esses resultados destacam a necessidade crítica de entender melhor as rotas de exposição, as vias de absorção e eliminação e as potenciais consequências para a saúde dos plásticos nos tecidos humanos, particularmente no cérebro”, dizem os autores.
Quais os efeitos dos microplásticos na saúde?
Até agora, um número muito pequeno de pesquisas avaliou o impacto dos nano e microplásticos na saúde, mas além da pesquisa mais recente, realizada com americanos, esses elementos já haviam sido detectados no cérebro de moradores de São Paulo, na corrente sanguínea, na placenta e no pulmão de cidadãos ao redor do mundo.
Apesar da falta de pesquisas conclusivas, há uma preocupação: além dos perigos potenciais do próprio plástico, esses elementos podem absorver poluentes atmosféricos e carregá-los para o corpo, aumentando os riscos de intoxicação. E aqui, um agravante: plásticos biodegradáveis, cada vez mais comuns, têm o potencial de gerar ainda mais microplásticos, além de aderirem com maior facilidade a tecidos biológicos.
Qual a origem dos microplásticos?
Essas partículas podem ter origem direta de produtos comerciais, como cosméticos esfoliantes, mas também podem ser geradas a partir da decomposição ou do processamento do plástico convencional, inclusive na reciclagem. Um problema é resolvido, mas gera outro, cujas consequências ainda são grandemente desconhecidas.
Isso ficou evidente em uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Santa Catarina. Por lá, o Laboratório de Biologia Costeira e Análises de Microplásticos, liderado pela bióloga Mércia Barcellos da Costa, utilizou teias de aranha para avaliar a presença desses contaminantes no ar da instituição. O que eles viram foi que um dos locais era mais afetado do que outros. “Esse ponto se localiza junto a uma usina piloto de reciclagem de plásticos, onde rejeitos de plástico são triturados e transformados em uma resina a ser usada para suprimir a liberação de poeira dos estoques de minério e carvão em áreas industriais”, explicou a pesquisadora a VEJA. “Embora essa atividade contribua com a retirada de resíduos plásticos do ambiente, o processo se mostrou uma importante fonte de microplásticos atmosféricos.”
Para tentar minimizar esse problema, uma série de pesquisas têm sido desenvolvidas no país. Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), por exemplo, um trabalho conduzido pelo engenheiro Paulo Augusto Marques Chagas utilizou nanotecnologia para desenvolver um filtro veicular capaz de barrar esses pequenos pedaços de plástico presentes no ar, enquanto duas outras investigações, uma na Universidade de São Paulo (USP) e outra no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), desenvolveram equipamentos para remover esses elementos microscópicos da água.
Mas será possível resolver esse problema na origem? Para os pesquisadores, é unânime: é preciso eliminar os plásticos. Hoje, é impossível imaginar qualquer sociedade sem esse polímero, mas os especialistas defendem que pelo menos os de uso único, como as embalagens de frutas, as sacolas de supermercado ou até mesmo as garrafas descartáveis de água e refrigerante, sejam excluídas do nosso dia a dia.