Se considerado apenas o tempo de militância, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), ainda não pode ser considerado um político experiente. Ele foi eleito pela primeira vez em 2018 e reeleito em 2022. Antes disso, comandou por quase três décadas uma banca de advocacia, onde aprendeu que o embate jurídico nem sempre deve ser travado aos olhos do grande público — expertise que parece ter sido decisiva no desfecho da apuração sobre sua suposta omissão durante a invasão e depredação das sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, no dia 8 de janeiro de 2023. Depois de dois anos de investigação, o ministro Alexandre de Moraes arquivou o inquérito que esquadrinhou e expôs de maneira constrangedora os passos de Ibaneis antes, durante e depois dos ataques. Apesar disso, o governador tem muito o que comemorar. Ele é um dos poucos personagens enrascados no enredo golpista a conseguir sair do caso praticamente ileso. A tarimba do advogado salvou o político neófito de uma situação que poderia ter lhe custado ambas as carreiras.

Ibaneis, como se sabe, estava na fazenda dele na tarde do dia 8 de janeiro, um domingo. Quando os vândalos começaram a invadir a Praça dos Três Poderes, o ministro da Justiça tentou falar com ele para pedir reforço no policiamento. Ao ver pela televisão as cenas da barbárie, a então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, mandou uma mensagem. O vice-presidente do Congresso, senador Veneziano Vital, assustado com o que estava acontecendo, também tentou encontrar o governador, mas não conseguiu. O inexplicado sumiço foi considerado suspeito. Ibaneis acabou sendo acusado de omissão e conivência com os criminosos e afastado do cargo por dois meses. Na época, chamou a atenção sua aparente passividade diante das graves imputações. Ele nunca criticou o STF nem fez qualquer consideração negativa sobre a decisão de Alexandre de Moraes de tirá-lo do posto.
A defesa adotou o silêncio e a discrição como estratégia. Sem alarde, aliados do governador procuraram ministros do Supremo, contrataram advogados de renome com trânsito na Corte e bateram às portas de Michel Temer para tentar abrir um canal de comunicação com Alexandre de Moraes. O ex-presidente foi o responsável pela indicação do ministro para o STF. Em paralelo, o governador optou pela postura de quem não tinha nada a esconder: prestou depoimento, mesmo sem conhecer em detalhes as suspeitas que recaíam sobre ele, entregou voluntariamente seu telefone celular à polícia e declinou do sigilo. Emissários de Ibaneis também estiveram pelo menos duas vezes com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que, no final, defendeu o arquivamento do caso após concluir que havia partido do próprio governo de Brasília um pedido de reforço da Força Nacional de Segurança durante as manifestações.

Reabilitado, o governador garante que não guarda mágoas e anunciou que planeja disputar uma cadeira de senador em 2026. Vai se empenhar a partir de agora em construir uma aliança com o PL de Jair Bolsonaro, que pretende lançar para concorrer à segunda vaga no Senado a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. A cautela em relação ao 8 de Janeiro, porém, continuará imperando. Em entrevista a VEJA, concedida em janeiro, quando a Polícia Federal já havia desconsiderado seu envolvimento no caso, Ibaneis foi indagado sobre o constrangimento de ter sido apontado como suspeito e afastado do cargo por ordem de Alexandre de Moraes. “Respeito a decisão dele”, resumiu. “Quando fui afastado do cargo, entendi que o ministro tinha que dar um recado a todos os governadores para não embarcarem nessa. Ele não sabia quem estava de um lado ou de outro”, ponderou. O máximo avanço que ele se permitiu até hoje foi uma leve crítica às penas elevadas que o Supremo tem aplicado aos vândalos. “Isso só coloca mais lenha na fogueira”, disse. É o político falando sob a influência do advogado. Uma curiosidade: Ibaneis nunca entrou em detalhes sobre o motivo de não ter atendido as ligações que recebeu na tarde do dia 8 de janeiro. A explicação: na hora dos ataques, ele tirava uma inocente soneca.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935