Em uma live com seus milhares de seguidores, Lola (Camila Pitanga) recebe uma campeã do Big Brother Brasil e lista defeitos faciais que se gaba de consertar com injeções de ácido hialurônico em sua clínica, a Lolaland. Ela posa de entendida, mas é capaz de coisas terríveis: foi cúmplice na morte da filha de uma mãe suburbana (Giovanna Antonelli) numa lipoaspiração e fez da mocinha Sofia (Camila Queiroz) uma escrava doméstica quando criança. A vilã é, enfim, uma caricatura da exploração inescrupulosa de procedimentos estéticos. Seu retrato exagerado resume o espírito da primeira novela nacional do streaming Max: Beleza Fatal, já disponível, abraça sem pudor o melodrama rasgado — um artigo que, curiosamente, anda em falta na TV aberta.
Com quarenta capítulos (dos quais VEJA conferiu cinco em primeira mão), a trama criada pelo escritor e roteirista Raphael Montes marca a estreia do serviço da HBO nos folhetins. De quebra, juntamente com a pioneira Pedaço de Mim, que a rival Netflix lançou no ano passado, Beleza Fatal expõe um paradoxo da produção de novelas no país. Enquanto a Globo pena para recobrar a relevância de suas histórias, mas amarga fiascos como Mania de Você, o streaming — quem diria — sinaliza que, ao menos no momento, é o ambiente criativo com mais chances de promover um resgate dessas produções.
Se a Globo hoje pisa em ovos para suas novelas não desagradarem parcelas do amplo público da TV aberta, lutando para equilibrar-se entre os evangélicos e uma classe média que prefere as séries gringas do streaming, as plataformas usam de sua maior vantagem — serem vitrines capazes de oferecer produções variadas para todos os nichos — para explorar o gênero sem limitações. Nascida da parceria entre Montes, que domina a linguagem moderna dos seriados, e o veterano noveleiro Silvio de Abreu, que supervisionou a criação da história, Beleza Fatal brinca com os clichês tradicionais do melodrama, mas se permite liberdades típicas do streaming, como cenas de sexo mais ousadas.
Trata-se, em suma, de um novelão carregado, por vezes até um tanto apelativo — ou seja, exatamente o que sempre prendeu a audiência típica desses programas. Numa piscadela ao apetite nostálgico das redes, Montes exacerba tal característica ao beber de referências de antigos folhetins globais: a vilã Lola tem algo da prostituta Bebel, papel memorável da própria Pitanga em Paraíso Tropical (2007). “Há ingredientes para quem gosta de novela, mas com dinamismo de série”, diz a atriz. Na encruzilhada atual das novelas, eis uma injeção de ânimo.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928