“A pobreza afeta a saúde de forma tão severa quanto o tabaco, o álcool, o sedentarismo, a hipertensão, a obesidade e o diabetes”, alerta o relatório Condições de Vida e Saúde, publicado recentemente pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), Instituto Veredas e Umane. Segundo o estudo, evidências indicam ainda que o baixo nível socioeconômico reduz a expectativa de vida em 2,1 anos em adultos entre 40 e 85 anos.
Globalmente, as doenças crônicas não transmissíveis são responsáveis pela morte de cerca de 41 milhões de pessoa por ano, o equivalente a 74% de todas as mortes. As condições de vida da população estão por trás desses números, uma vez que são doenças relacionadas a hábitos de vida não saudáveis, desigualdades no acesso à educação, piores ocupações no mercado de trabalho e iniquidades no acesso à saúde.
Não por acaso a grande maioria (86%) das mortes prematuras por essas enfermidades ocorre em países de baixa e média renda. Doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas e diabetes são responsáveis por 80% de todas as mortes prematuras (ou seja, que ocorrem antes da pessoa completar 70 anos) por doenças crônicas não transmissíveis no mundo, segundo o relatório.
De acordo com o estudo, maiores investimentos em saúde e proteção social parecem mitigar os efeitos prejudiciais à saúde durante períodos de recessão, especialmente entre populações vulnerabilizadas.
Acrescentaria, além desses fatores citados pelo relatório, a necessidade de investimento em educação e informação sobre saúde.
QUANTO MENOR A ESCOLARIDADE, MAIOR A PORCENTAGEM DE MORTES
Levantamento exclusivo feito pela organização da sociedade civil Umane para esta coluna, com base em dados do DataSUS-SIM, disponíveis no Observatório da Saúde Pública (OSP), aponta que, em 2022, 19,1 mil mulheres morreram de câncer de mama no Brasil. Quase metade desses óbitos (8,3 mil) ocorreu entre pessoas que tinham de 0 a 7 anos de estudo. Quanto menor a escolaridade, maior a porcentagem de mortes.
Informação protege. Recentemente, escrevi o prefácio do livro 3 mulheres: o câncer de mama e a luta pela vida (já disponível no site da Amazon e da UICLAP), de Marcela Simonis Martins Ferrari e Claudio Luiz Seabra Ferrari, ambos oncologistas clínicos, com uma vasta experiência em hospitais tanto públicos quanto privados.
Não vou dar spoiler. Embora tenha sido escrito por dois especialistas, o livro não é técnico. Numa linguagem clara e didática, é direcionado para o público geral, justamente para suprir essa lacuna da falta de informação de saúde.
Uma das coisas que mais me chamou a atenção na publicação é que, para falar do câncer de mama, ela mergulha na história de três mulheres. Personagens com nomes fictícios, mas baseadas nas milhares de pacientes que Marcela Ferrari atendeu nas últimas três décadas. Acompanhamos, por meio de suas histórias, o susto da descoberta, o passo a passo do diagnóstico e o tratamento, além de informações detalhadas sobre a doença e as últimas descobertas.
Uma dessas personagens é Renata, uma manicure de 42 anos, que fez todo o seu tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por ter perdido a mãe com câncer de mama, ela se alarmou ao perceber uma alteração em sua mama e procurou ajuda. Mesmo sendo tratada num centro público de excelência, ela precisou esperar três semanas para ser atendida no ambulatório de especialidades e outras três semanas até ser convocada para falar do resultado da biópsia.
A história dela é ilustrativa das desigualdades na saúde no país. “Muitos de nossos hospitais, públicos e privados, são comparáveis às melhores instituições do mundo na qualidade dos serviços oferecidos. Apesar disso, sabemos que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que dependem do SUS respondem pelo alto percentual de pacientes diagnosticadas em estágios avançados da doença”, afirmam os especialistas no livro. “Somam-se a isso as filas de espera para cirurgias e outros tratamentos, que comprometem ainda mais as chances de cura dessas mulheres.”
Segundo eles, há evidências de que “as desigualdades socioeconômicas e raciais provavelmente têm impacto na mortalidade por câncer de mama no país, o que justifica a ampliação de nossos esforços pela melhoria da distribuição do acesso aos recursos de saúde”.
Infelizmente, as desigualdades, que estão por trás de vários outros indicadores sociais, também impactam a saúde e não raramente definem o desfecho da doença, especialmente entre os mais pobres que não têm a mesma sorte de Renata.
A redução da mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis, como o câncer, faz parte das metas para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU. A meta prevê a redução de um terço da mortalidade prematura por essas doenças via prevenção e tratamento até 2030. Estamos atrasados.
* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.