Com pouco mais de um mês no cargo, o presidente americano Donald Trump estabeleceu uma dinâmica curiosa com seu secretário de Comércio, Howard Lutnick. Em matéria de política comercial, o que para ele significa basicamente aumentar tarifas de importação, Trump solta a bomba e Lutnick aparece em seguida para juntar e colar os cacos que sobraram. Isso ficou evidente depois que entraram em vigor as tarifas de 25% sobre produtos canadenses e mexicanos, na terça-feira 4. Lutnick disse que era possível negociar um meio-termo com os países vizinhos. “Tanto os mexicanos como os canadenses estavam no telefone comigo o dia todo, hoje, tentando mostrar que eles farão melhor, e o presidente está ouvindo, porque você sabe que ele é muito justo e muito razoável”, disse o secretário. De fato, no dia seguinte o governo americano decidiu isentar as importações de carros do Canadá e do México das tarifas adicionais, por um mês.
Essa dinâmica explica porque a diplomacia brasileira depositou tanta esperança na conversa entre Lutnick e o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, na quinta-feira 6. Apesar de ser um entusiasta das tarifas de importação como instrumento de pressão comercial sobre os parceiros, Lutnick é mais moderado do que outro assessor de Trump, Peter Navarro, conselheiro sênior para comércio e indústria da Casa Branca. Lutnick, pelo menos, acredita em negociação. Não é o caso de Navarro, considerado o arquiteto da guerra tarifária de Trump.
Por enquanto, Trump está dando mais ouvidos a Lutnick. E isso porque o secretário ecoa as preocupações das grandes empresas americanas, o que inclui o lobby das principais fabricantes de automóveis nos Estados Unidos — cujos negócios sofreriam danos profundos com a imposição das novas tarifas. As falas de Lutnick também têm tido o efeito de acalmar os mercados a cada anúncio bombástico de Trump. Ele até mesmo reconheceu publicamente que as medidas protecionistas podem elevar a inflação, mas garantiu que esse efeito seria momentâneo.
Indicado para o cargo por sugestão do bilionário Elon Musk (que na verdade preferia vê-lo como secretário do Tesouro), Howard Lutnick, de 63 anos, é um banqueiro com uma fortuna estimada em 800 milhões de dólares. Ele começou em Wall Street na década de 80 na corretora de investimentos Cantor Fitzgerald. Quando o fundador da agência morreu, Lutnick entrou em uma disputa judicial com a viúva e assumiu o controle da empresa, da qual se tornou CEO. Seus contatos e interesses no mundo dos negócios dos Estados Unidos são vastos: ele detém ações de mais de 800 empresas, conforme informou ao Senado antes da sabatina para sua confirmação no cargo. Essas conexões dão certo alento aos empresários americanos, acreditando que ele não defenderia políticas que se provassem desastrosas para Wall Street.
Mas Lutnick já defendeu diversas vezes a política de guerra tarifária de Trump. “As tarifas são uma maravilhosa ferramenta para o presidente usar — precisamos proteger os trabalhadores americanos”, disse ele durante a campanha presidencial do ano passado.
Lutnick também é um fervoroso defensor das criptomoedas e diz que elas deveriam ser comercializadas livremente no mundo todo, da mesma forma que o ouro. Trump fez da defesa das criptomoedas, como o bitcoin, uma das suas bandeiras de campanha.
Uma tragédia profissional e familiar teve profunda influência na militância política de Lutnick, desde cedo um doador entusiasmado das campanhas de Trump. Em 11 de setembro de 2001, nada menos que 658 dos 960 funcionários da Cantor Fitzgerald morreram no atentado terrorista contra as Torres Gêmeas em Nova York, entre eles um irmão de Lutnick. Depois disso, ele passou a praticar filantropia com mais regularidade e é um dos principais doadores e membros do conselho do Memorial do 11 de setembro.