Os brasileiros estão jogando cada vez mais, principalmente aqueles jogos da sorte – ou azar. A constatação não vem apenas das diversas vezes que somos impactados pelo famoso “jogo do tigrinho”, mas da última edição da Pesquisa Game Brasil (PGB). De acordo com o estudo, o número de jogadores no Brasil chegou a 82,8%, um aumento de 8,9 pontos percentuais em relação a 2024, e do total de entrevistados, 38,2% dizem jogar em cassinos e outras plataformas de apostas online. CEO do SX Group, responsável pela PGB, Guilherme Camargo, 48 anos, explica à coluna GENTE a possível motivação deste crescimento, faz uma análise do cenário atual e a médio prazo do mercado de games e comenta a sua própria relação com este universo.
Como o senhor entrou no mercado de games? Em 2000, ingressei na Microsoft na área de trade marketing, onde trabalhava com a venda de software no varejo, incluindo Windows, Office e também jogos, como Age of Empires e Flight Simulator. Além disso, atuava na comercialização de uma linha de hardware chamada Sidewinder, que incluía joysticks, ratos e volantes.
Como é a sua relação pessoal com este universo? Eu me envolvi com os jogos na minha infância e adolescência como um jogador casual. Quando fui trabalhar na Microsoft tive novamente contato com os jogos, agora na posição de executivo, assumindo a marca Xbox no Brasil. Separar negócios e paixão foi um grande trunfo para mim, pois tinha uma relação mais racional com as decisões que eu considero que foram mais assertivas. Quando saí do mercado corporativo para empreender, um dos primeiros produtos que eu criei foi a Pesquisa Game Brasil que retrata o perfil de quem joga jogos digitais, e hoje é a referência para marcas endêmicas e não endêmicas que sabem que quem joga não é apenas o adolescente. Como pai, tenho dois filhos que se consideram “gamers” e vejo que a cultura de jogar junto, discutir sobre jogos, participar de eventos e feiras, pode ser compartilhada em família – fato improvável de acontecer para quem nasceu nos anos 1970/1980.
A pesquisa mais recente mostra que os jogos da sorte são o principal fator do aumento do número de jogadores, em um momento que se discute os riscos desse entretenimento. O que motivou esse crescimento? Em nossa análise a gente discute o dado, mas não o risco. O que posso dizer sobre os dados é que os cassinos e jogos de aposta online, como o ‘Jogo do Tigrinho’, marcaram presença por atraírem um público engajado, disposto a gastar e motivado por fatores financeiros, emocionais e sociais. Mas justamente pelo fato de o jogo ser unicamente focado em sorte, e como muitos deles também apelam para o estado emocional e financeiro de quem ‘joga’, aqui buscamos entender o que realmente motiva o consumidor que busca esse tipo de entretenimento, e o porquê de ele ver os jogos de sorte de forma similar aos jogos digitais.
Qual o cenário atual dos jogos no Brasil e no mundo? O mercado global de games tem uma receita de 190 bilhões de dólares ao ano, muito puxado pelo smartfone, que representa 50% desse total e existe há pouco mais de 15 anos. Os games migraram de produto para serviço e isso trouxe muito mais consumidores, pois boa parte dos jogos são freemium (gratuitos). O Brasil é um país que circula entre os top 10 neste mercado em receita, com muito engajamento online e comunidade ativa. Em 2025, 82% dos brasileiros afirmaram ser adeptos dos jogos digitais, um crescimento comparado ao ano anterior.
Tivemos uma evolução? Sim. Do ponto de vista de consumo, continuamos crescendo e tornando os jogos digitais um hábito mais popular. Houve também uma evolução do entendimento de negócios para quem desenvolve jogos no país, com mais leis de incentivo e apoio por parte do governo para encaixar os jogos na mesma linha do audiovisual.
Como o senhor vê esse mercado no futuro, especialmente com o avanço da inteligência artificial (IA) e realidade aumentada? Se há uma porta de entrada para novas tecnologias, os jogos certamente estão entre as primeiras opções para testar modelos, escalabilidade e popularidade. A realidade aumentada e outras inovações já passaram pelo setor, e a inteligência artificial, antes vista apenas como “bots” de jogo, vem evoluindo há bastante tempo. Com a popularização da IA, muitos processos serão acelerados, embora seja essencial garantir a conformidade com a LGPD em determinados casos.
O que o senhor enxerga como tendência para o futuro dos games? Acredito que, cada vez mais, a plataforma de jogo perca sua importância, pois no médio prazo os servidores rodarão os jogos na nuvem e bastará uma conexão e um controle para acessar tal entretenimento. Isso já acontece mas a experiência ainda não é perfeita, mas isso será uma realidade nos próximos anos.
Existe algum nicho ou tecnologia específica que acredita que irá transformar a indústria? Acredito que a inteligência artificial revolucionará diversos setores e indústrias, permitindo que qualquer pessoa crie os seus próprios jogos, mesmo sem conhecimento em programação, design ou outras habilidades técnicas. Outra possibilidade que a IA pode trazer é o conceito de “jogar por mim” – um robô automatizado ou um piloto automático capaz de jogar e completar missões pelo jogador. Ainda há muito a explorar e compreender sobre quais dessas inovações serão apenas tendências passageiras e quais realmente vieram para ficar.