myspace tracker Avanço do PCC e de outras facções criminosas alarma setor dos combustíveis – My Blog

Avanço do PCC e de outras facções criminosas alarma setor dos combustíveis

Com alta rotatividade de clientes, grande número de pagamentos em dinheiro e muitas transações sem nota fiscal, os postos de combustíveis sempre foram um negócio convidativo para a lavagem de dinheiro. A oportunidade não passou despercebida pelas organizações criminosas, em especial a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), cujo interesse pela atividade foi aumentando na mesma medida em que a falange mafiosa expandia seus tentáculos pelo país e até para fora dele. Em 2017, a Fecombustíveis, uma das entidades que representam o setor, calculava que o grupo comandava 150 postos no estado de São Paulo. No ano passado, autoridades variadas, do Judiciário ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), estimaram que cerca de 1 100 dos quase 9 000 postos do estado estavam operando sob as ordens da quadrilha.

BOMBA SUJA - Lacre feito pela ANP: fraudes alavancam lucro de quadrilhas
BOMBA SUJA - Lacre feito pela ANP: fraudes alavancam lucro de quadrilhasPolícia Civil de Piracicaba/.

Até agora, a resposta das autoridades tem sido insuficiente diante da escalada do problema. Há promessas de que isso vai mudar. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, criou o Núcleo Estratégico de Combate ao Crime Organizado, cujo tema de largada será justamente a infiltração dos criminosos no setor de combustíveis. Ainda em Brasília, o deputado João Carlos Bacelar (PL-­BA) faz tramitar um pedido para a abertura de uma CPI para apurar a atuação das organizações criminosas na aquisição e operação de distribuidoras, usinas de etanol e pontos de revenda. Em São Paulo, uma ampla investigação capitaneada pelo Ministério Público, em conjunto com a Polícia Federal, a Receita e os Fiscos estaduais, deverá desembocar nos próximos dias em uma denúncia robusta contra esses esquemas.

O mercado de combustíveis passou a ser cada vez mais relevante na engrenagem do PCC. Além de servir para lavagem de dinheiro, virou um bom negócio para alavancar os lucros da facção. O ganho começa com a importação ilegal de nafta, passa pela sonegação de impostos e chega a fraudes na medição das bombas. É comum ainda a adulteração do produto com misturas de metanol, álcool hidratado ou mesmo água. Na hora do pagamento, a máquina de cartão pode ser de uma fintech ligada ao crime organizado. Um novo braço de atuação envolve o avanço sobre usinas de etanol (veja o quadro). A cadeia de negócios serve também para escoar cargas de combustíveis roubadas, principalmente no Norte, onde o PCC disputa rotas do crime com outros grupos. A contaminação da atividade por facções, aliás, é uma prática detectada em vários estados e em todas as regiões — operações das polícias locais e PF têm sido frequentes para desmontar esquemas de lavagem de dinheiro de drogas usando postos.

arte PCC

Continua após a publicidade

A caçada aos criminosos não é uma tarefa fácil porque a participação é oculta por uma série de estratagemas. Um deles é o sem-número de empresas utilizadas e o emaranhado societário que vão criando para comprar postos pelo país. Um exemplo é o da Copape, empresa sediada na cidade de Guarulhos, em São Paulo, que foi investigada pelo MP sob a suspeita de ser um “braço operacional” do PCC, como chegou a se referir o Instituto Combustível Legal (ICL), que atua na defesa do mercado formal. A Copape tem como proprietário Renato Steinle de Camargo, mas os investigadores não duvidam que o dono é Mohamad Hussein Mourad, que se apresenta como “consultor” da companhia. A principal suspeita era a de que um de seus sócios seria Roberto Augusto Leme, conhecido como Beto Louco, ligado a uma das figuras do PCC, Jaílson Souza, vulgo Jabá. Essa acusação é baseada numa série de trocas de mensagens entre Mourad e Beto Louco. Em 2024, Mourad foi denunciado com sua esposa e mais três envolvidos por organização criminosa e lavagem de dinheiro em razão de crimes variados, como adulteração de combustíveis e fraude fiscal.

Mais ou menos na mesma época em que ele virava réu, um negócio florescia em outro estado. Aberta em agosto, a Diamante Participações e Negócios Ltda., apesar de sediada em São Paulo, virou em pouco tempo sócia de nove postos de combustíveis no Rio de Janeiro. A empresa, com capital social de 1 milhão de reais, tem como único dono um homem de 35 anos. Em 2023, ele prestou concurso para policial militar e guarda civil de Jundiaí e tem dívidas de água e IPVA inscritas nos órgãos de proteção do crédito — um perfil bem diferente do que se espera de alguém com os negócios a todo vapor. Oito dos nove postos que têm a Diamante como sócia foram registrados com e-mail no domínio “@ggxglobalparticipacoes.com”. A GGX já foi identificada como uma das empresas controladas por Mohamad Mourad por meio de laranjas. A suspeita é de que ele seja dono de mais de uma centena de postos, a maioria de bandeira branca (sem ligação com nenhuma companhia de petróleo), um perfil que está em alta no país — o percentual foi de 27% do mercado em 2002 para 48% em 2025.

OFENSIVA - Lewandowski: novo núcleo de combate ao crime organizado
OFENSIVA - Lewandowski: novo núcleo de combate ao crime organizadoLula Marques/Agência Brasil
Continua após a publicidade

A entrada com tudo no setor de combustíveis é mais uma frente na diversificação tocada pelo PCC. Para legalizar o dinheiro do tráfico de drogas e de armas, a facção tem investido em bets, fintechs, produtoras de shows, agenciamento de atletas, mercado imobiliário, venda de automóveis e até igrejas evangélicas. Também tem sido cada vez maior a entrada no mundo político, por meio do apoio a candidatos nas eleições e a posterior obtenção de contratos públicos, em especial em saúde e transporte. Mais recentemente, o interesse passou a recair sobre o ouro. O PCC negocia com garimpeiros atraídos pela estrutura da facção. Em contrapartida, a gangue oferece segurança e combustíveis para as atividades ilegais dos garimpeiros.

FENÔMENO - Estabelecimento da Diamante no Rio: crescimento acelerado chamou a atenção das autoridades
FENÔMENO – Estabelecimento da Diamante no Rio: crescimento acelerado chamou a atenção das autoridadesGoogle maps/.

No caso da crescente participação do crime no mercado de combustíveis, o problema já bateu às portas do governo Lula mais de uma vez. O presidente foi alertado pelo ministro Flávio Dino, do STF, e pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em uma reunião para tratar sobre segurança no fim de outubro. O presidente do ICL, Emerson Kapaz, que é membro do Conselhão de Lula, conversou com Lewandowski e o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo, sobre o tema. “Quanto mais isso chegar com força a uma política de governo de combate ao crime organizado, melhor”, afirma Kapaz. Sarrubbo confirma que os postos serão a primeira frente de ação. “A lavagem de dinheiro é o que mais nos preocupa, mas também tem a questão da sonegação”, diz. Outro ponto em que o governo será cobrado são as lacunas na regulação e fiscalização, em especial pela sobrecarregada Agência Nacional do Petróleo. A ANP, que cuida da revenda ao consumidor às licitações de campos de petróleo, fez 17 000 fiscalizações e aplicou 4 600 multas em postos em 2024, mas, por falta de verba, suspendeu por dois meses o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis. O deputado Julio Lopes (PP-RJ) propôs a criação do Operador Nacional de Combustíveis, parecido com o que já existe no setor elétrico. O texto tramita na Câmara.

Continua após a publicidade

FORÇA - Pichação do PCC em penitenciária do Rio Grande do Norte: raio de atuação ampliado e negócios expandidos
FORÇA - Pichação do PCC em penitenciária do Rio Grande do Norte: raio de atuação ampliado e negócios expandidosAndressa Anholete/AFP

No combate ao problema, um dos desafios será o de investigar suspeitas sobre a cooptação de agentes do Estado para fazerem vistas grossas às ações das facções no setor. Em São Paulo, no ano passado, nove servidores estaduais foram presos por vazar informações. Segundo pessoas envolvidas nas investigações, há quadrilhas colocando balões coloridos (aqueles de festa de aniversário) nos postos para avisar aos agentes públicos que ali é um lugar controlado pelo crime. “Essa seria a senha para não ser fiscalizado”, conta a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Esse e outros fatos mostram como é acertado o gesto das autoridades em apertar o cerco aos bandidos na área de combustíveis. Está mais do que na hora de reagir com firmeza para que esse mercado deixe de ser combustível para o crime.

Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2025, edição nº 2929

Publicidade

About admin