Depois da tempestade, nem sempre vem a bonança. Às vezes, o que surge é mais tormenta. Em um momento de vacas magras na bolsa de valores — que está há três anos sem ver a chegada de novas companhias —, ganham força as ofertas públicas para a aquisição de ações (OPAs), um procedimento que consiste na saída de empresas do mercado da B3. O mais preocupante é que o fenômeno deverá se intensificar neste ano. A bolsa passa por um período de penúria. Com os juros altos, o retorno das ações mais negociadas do pregão ficou negativo, como se vê na queda de 10,4% em 2004 do Ibovespa, o principal índice da bolsa brasileira. O movimento foi resultado da fuga de capitais impulsionada tanto pelos investidores locais, interessados nos retornos robustos garantidos pela aplicação na renda fixa, quanto pelos estrangeiros, em busca de segurança e do bom retorno de títulos da dívida americana.
É justamente a forte desvalorização das ações, em meio a um ciclo de juros em alta no Brasil — movimento que deverá continuar na gestão de Gabriel Galípolo no Banco Central —, que motiva muitos controladores de companhias a retirá-las da bolsa, o que deverá levar o mercado acionário a encolher mais. “O cenário é adverso para aberturas de capital e propenso para fechamentos”, afirma Vanessa Fiusa, sócia da área de mercado de capitais do escritório de advocacia Mattos Filho. Embora possam envolver companhias com problemas financeiros, as ofertas de ações para o cancelamento de registro ocorrem também com empresas saudáveis, que apresentam potencial positivo de entrega de resultados.
Considerando que diversas corporações listadas estão sofrendo por causa do cenário macroeconômico restritivo, e não em decorrência de fundamentos e qualidade operacional, o momento oferece uma oportunidade para que o acionista majoritário conduza o negócio mais ao seu modo — e, portanto, faça uma oferta pública de aquisição. Nesse contexto, os juros elevados vão continuar prejudicando as aberturas de capital e servindo de argumento para novas iniciativas de deslistagem. “As ações brasileiras estão baratas, e os controladores aproveitam isso”, afirma Fiusa. “Os estrangeiros enxergam oportunidade ainda maior, porque dispõem de recursos.”
![Galípolo, novo presidente do Banco Central: em sua gestão, a taxa Selic deverá continuar nas alturas](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/01/000_36QQ8BW.jpg.jpg)
Só no ano passado, foram nove ofertas para realizar o fechamento de capital, conforme dados da B3 — é o maior número em ao menos cinco anos. Entre os casos mais emblemáticos está o da empresa de liquidação de transferências eletrônicas Cielo, que saiu da bolsa de valores em agosto, depois de quinze anos. Conforme o material da OPA, os controladores da companhia, Bradesco e Banco do Brasil, tomaram a decisão com o objetivo de simplificar a estrutura corporativa e organizacional da empresa e ganhar mais flexibilidade na gestão financeira e operacional. Isso depois que a Cielo perdeu importante fatia de mercado para concorrentes nos últimos anos. Outro destaque são as empresas do conglomerado Alfa — Financeira Alfa, Consórcio Alfa e Banco Alfa de Investimento —, que deixaram o pregão após a aquisição pelo Banco Safra.
Alguns representantes do movimento de saída da bolsa são companhias que se listaram no período de excesso de liquidez gerado pela pandemia, em 2020 e 2021, e que, de lá para cá, vêm apresentando um desempenho decepcionante. A rede de hospitais Kora Saúde, por exemplo, teve desvalorização de 89% em três anos. “Salvo algumas exceções, a maioria das empresas listadas nesse período opera com valor mais baixo hoje”, afirma Oswaldo Dalla Torre, sócio das áreas de direito societário e fusões e aquisições do escritório TozziniFreire Advogados. “O controlador decide comprar nesse momento, com expectativa de melhorar a empresa.”
![Sinqia: o fim da listagem da empresa de tecnologia ocorreu após a venda do controle](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/01/4-sinqia-copy.jpg.jpg)
Retirar uma companhia da bolsa envolve realizar uma OPA porque este é o momento em que o controlador oferece aos acionistas minoritários a oportunidade de vender suas ações. O processo, em geral, resulta na oferta de um prêmio para cada ação — um valor “extra” em relação ao preço negociado no mercado —, de forma a motivar os acionistas a aderirem à chamada. Em muitos casos, o baixo volume de negociação do papel na B3 é um catalisador para que uma OPA aconteça, e o próprio investidor minoritário tem vantagens ao participar do processo e deixar de ser acionista de uma companhia sem liquidez.
Um estudo conduzido pela assessoria financeira Seneca Evercore mostrou como algumas companhias que realizaram OPAs nos últimos anos tinham baixíssima liquidez na B3. Entre os destaques, está — mais uma vez — a Kora Saúde, além de Eletromidia e Alper Seguros. Para Daniel Wainstein, sócio-diretor da Seneca Evercore, o efeito da liquidez reduzida é bastante nefasto porque a empresa acaba esquecida, fora da cobertura de profissionais de investimento e casas de análise e sem apelo para o investidor, já que ele terá dificuldade em comprar e vender o papel e executar uma estratégia de investimento adequada.
Embora seja essencial para o fechamento de capital de uma empresa listada, uma OPA não tem apenas essa finalidade. A operação pode ocorrer também quando um acionista deseja assumir o controle da empresa, mantendo-a listada na B3. Há, ainda, situações em que o cancelamento de registro da companhia não exige uma OPA, como no caso das empresas que têm o capital aberto, mas não possuem ações listadas. No rol de possibilidades, as ofertas de ações também podem acontecer para deslistagens de empresas que são alvo de fusões ou aquisições — é o que ocorreu, em 2023, com a saída do Banco Modal da B3 devido à compra pela XP, e com a empresa de tecnologia Sinqia, adquirida pela companhia porto-riquenha Evertec.
De todo modo, são as ofertas para a deslistagem de empresas que vêm chamando a atenção, em um momento em que os juros altos devem continuar impondo dificuldades para a renda variável — e, portanto, para o preço das ações. Wainstein, da Seneca Evercore, afirma que grande parte das OPAs dos últimos anos estava ligada a processos de fusões e aquisições, em que não fazia sentido manter a listagem da empresa alvo da compra. O cenário, porém, já vem mudando, com uma maior tendência por ofertas ligadas à desvalorização dos ativos. “Do jeito que os múltiplos (métricas de avaliação de ações) das empresas estão sendo negociados atualmente, os controladores estão vendo mais possibilidade de fechar o capital”, diz ele. “Se a empresa está sendo mal avaliada no mercado, o controlador sabe que ela pode valer muito mais.”
Um mercado considerado “descontado” é campo fértil para o debate de deslistagens e alguns segmentos de mercado acabam recebendo mais atenção do que outros quando o assunto são ofertas de ações. Dentro dos bancos de investimento, as áreas de estruturação de operações e fusões e aquisições vêm trabalhando em algumas teses, envolvendo negócios estáveis, com caixa previsível e recorrente, segundo o banco UBS. “Em vários setores temos tido conversas relevantes”, afirma Anderson Brito, diretor do UBS BB Global Banking. “Infraestrutura, softwares e utilities são exemplos.” Brito considera que companhias com queima de caixa e problemas de receita, com pouca previsibilidade no faturamento, não estão na lista de candidatas a fechamentos de capital. Onde as OPAs estão acontecendo, porém, o vento sopra forte: do primeiro trimestre do ano passado para o primeiro trimestre deste ano, a procura por operações dessa natureza cresceu em 20%, nos cálculos do diretor do UBS.
![Cielo: em 2024, a empresa de liquidação de transferências deixou a bolsa de valores após quinze anos](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2025/01/shutterstock_1639426075.jpg.jpg)
Outro fator que deverá estimular as ofertas de aquisição de ações são as recentes mudanças regulatórias. Em outubro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu um passo importante ao editar as resoluções que tratam das regras das OPAs, visando a trazer ao mesmo tempo simplificação e redução de custos. Uma das mais relevantes mudanças é a unificação da oferta para a aquisição de controle com a operação de cancelamento de registro. Até então, para deslistar uma companhia, o acionista majoritário precisava realizar duas ofertas: uma para adquirir o controle da empresa e outra, subsequente, para comprar as ações em circulação. Agora, admite-se uma única oferta para ambos os objetivos. “Essa acumulação de OPAs é positiva porque a aquisição de controle é mais simples, e o sucesso da operação está definido”, afirma Fernando de Andrade Mota, superintendente de desenvolvimento de mercado para emissores na B3.
A própria B3 reconhece que momentos de queda de preços das ações são grandes catalisadores de movimentos de recompra de papéis e fechamentos de capital. O mais importante, porém, é que as regras do jogo estejam claras para que as empresas e seus controladores tomem suas decisões de forma transparente. “Para nós, é tão importante a chegada de uma empresa quanto a sua saída”, afirma Leonardo Resende, superintendente de relacionamento com empresas e estruturadores de ofertas na B3. Nesse contexto, um fato é inquestionável: enquanto o cenário econômico não mudar e os juros não caírem, o mercado de ações provavelmente terá mais despedidas do que celebrações de entrada.
Publicado em VEJA, janeiro de 2025, edição VEJA Negócios nº 10