Somos um dos diversos países inseridos na corrida pelo controle da obesidade, a doença que mais mata na sociedade pós-moderna, seja por ela mesma, seja pelas comorbidades que aqueles que a têm desenvolvem em algum momento da vida. Olhando para o cenário nacional atual, dados do Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura (Palin), da Fiocruz Brasília (DF), mostram que 56% dos adultos brasileiros estão fora do peso adequado: 34% são obesos e 22% têm sobrepeso.
Felizmente, o cenário da obesidade e comorbidades associadas passa por uma forte mudança. Com o desenvolvimento dos medicamentos chamados agonistas do receptor de peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1), o paradigma do tratamento da diabetes e obesidade encara uma revolução. A cada ano surgem novas pesquisas, com novas moléculas, cada vez mais promissoras e com propostas de tratamentos que tendem a oferecer resultados mais duradouros no combate à obesidade.
Inicialmente os estudos incluíram pacientes com diabetes tipo 2. Frente a grande eficácia no controle glicêmico e na redução do peso, os testes começaram a incluir pacientes obesos sem diabetes, expandindo, desse modo, a indicação desses tratamentos.
Nessa direção, uma nova molécula, a retatrutida, promoveu uma média de perda de peso em torno de 25% nos pacientes obesos. Resultados esses equivalentes aos conquistados somente via cirurgia bariátrica. O estudo foi publicado na revista médica The New England Journal of Medicine e contou com 338 adultos obesos inscritos, dos quais 51,8% eram homens.
Nesse estudo de fase 2 envolvendo pessoas com obesidade, o tratamento com a dose de 12mg de retatrutida, um agonista triplo do receptor GIP-GLP-1-GCG, resultou em uma redução média de peso de 24,2% após 48 semanas do protocolo de teste. Todos os participantes desse estudo tratados com retatrutida em uma dose de 8mg ou 12 mg tiveram uma redução de peso de 5% ou mais, o limite mínimo atual para um medicamento anti-obesidade ser considerado eficaz.
Já com a dose de 12mg de retatrutida, mais de 9 de 10 participantes perderam 10% ou mais de seu peso basal; quase dois terços perderam 20% ou mais de peso; quase metade perdeu 25% ou mais e um quarto dos participantes perdeu 30% de seu peso inicial ou mais. Essa é uma magnitude incomumente alta de eficácia, em comparação com os achados em ensaios clínicos de outros agentes anti-obesidade, embora já tenha sido observada com cirurgia bariátrica. Este é um exemplo dentre vários estudos e revisões publicadas em importantes revistas médicas exaltando a nova realidade no tratamento da obesidade e diabetes tipo 2.
Ainda não há registros de contraindicação da retatrutida, pois a medicação é experimental. Porém, assim que for aprovada para uso, precisaremos ter atenção ao prescrevê-la a pacientes com distúrbios gastrointestinais prévios (como doença do refluxo gastroesofágico, problemas de motilidade gástrica, constipação, diarreia, doenças inflamatórias intestinais) para evitar complicações.
Em junho de 2024, um outro artigo foi publicado, questionando essa nova tendência para o tratamento da obesidade: “Hora de repensar a abordagem para tratar a obesidade”. O advento de terapias direcionadas aos agonistas de GLP-1, como a semaglutida, e bi e triagonistas, como tirzepatida e retatrutida, marca um avanço no tratamento da obesidade e está prestes a revolucionar os cuidados de saúde. Tais remédios estão se aproximando da eficácia alcançada apenas com cirurgia bariátrica.
Adicionalmente, essas novas medicações vêm alcançando benefícios adicionais: redução de eventos cardiovasculares, de morte cardiovascular e, nos diabéticos, diminuição de doença renal (nefropatia diabética). Nesse contexto, e já disponíveis no mercado brasileiro, estão a liraglutida, dulaglutida e semaglutida. Essa última pode ser encontrada nas formulações subcutânea e oral.
Já aprovada pela Anvisa, mas ainda não disponível para venda, encontra-se a medicação tirzepatida, prometendo resultados ainda mais animadores no tratamento do diabetes tipo 2 e obesidade.O avanço das terapias para tratamento da obesidade requer estudos rigorosos de custo-efetividade, que mostrem eficácia o suficiente para o investimento de recursos por parte do mercado farmacêutico e do sistema público.
Não podemos nos esquecer que a obesidade deve ser encarada como qualquer doença crônica, tanto por aqueles que a possuem quanto pela equipe médica, do mesmo modo como também são vistos os portadores de diabetes, hipertensão e a dislipidemia (percentual de colesterol e/ou triglicerídeos elevados): o tratamento é contínuo.
Assim, caso a medicação de tratamento venha a ser suspensa, será necessária introdução de outra para controle da enfermidade. Já existem vários estudos mostrando que, após a suspensão da medicação utilizada para controle do acúmulo de gordura corporal, ocorre uma tendência no reganho do peso a médio prazo, se não houver mudança consistente no estilo de vida do paciente.
Isso ocorre inclusive com a cirurgia bariátrica: a longo prazo, há uma tendência em se recuperar o peso perdido. Para evitar essa situação, a mudança de comportamento do paciente é crucial: inclusão de atividade física regular na rotina, dieta regrada e saudável e, muitas vezes, uso de medicação anti-obesidade, possivelmente, de uso contínuo.
Diante dos avanços que estão sendo visualizados com medicamentos como a retatrutida, já é possível nos questionarmos se os dias da cirurgia bariátrica e da obesidade como as conhecemos estão com os dias contados.
* Guilherme Rollin é chefe do Serviço de Endocrinologia e Nutrologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, e coordenador adjunto do Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição