Enquanto as araras de roupas ganham cores vibrantes para a nova estação, a C&A comemora sua própria renovação. Fundada na Holanda em 1841 pelos irmãos Clemens e August Brenninkmeijer — cujas iniciais deram origem ao nome da marca —, a varejista de moda vive um de seus melhores momentos no Brasil, onde atua desde 1976. O entusiasmo dos investidores reflete essa trajetória: no fim de fevereiro, após a divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2024, as ações da companhia subiram mais de 10% no pregão. Poucos dias depois, com a recomendação do banco BTG Pactual elevando a classificação da ação de “neutra” para “compra” e o reajuste do preço-alvo de 15 para 17 reais — sinalizando boas perspectivas para a empresa —, os papéis se valorizaram mais 9%.“Quem está decidindo esses resultados são os clientes, que estão gostando cada vez mais do que veem”, afirma Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil. Os números, de fato, confirmam o momento favorável: lucro líquido de quase 255 milhões de reais no último trimestre de 2024 (60% acima do mesmo período do ano anterior), receita líquida de 2,5 bilhões de reais (alta de 11%) e crescimento de 14% nas vendas de lojas abertas há pelo menos treze meses.
É um cenário bem diferente daquele que a empresa enfrentava há cinco anos. “Se você olhar o contexto no qual as empresas entraram na pandemia, a C&A estava lidando com limitações bem maiores frente a concorrentes como a Renner”, afirma Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail, especializada no varejo. Em 2019, ao abrir o capital e anunciar planos ambiciosos de expansão, a C&A se viu diante de desafios crescentes, como a ascensão de gigantes do varejo digital, incluindo a chinesa Shein. A pandemia, em 2020, trouxe obstáculos adicionais, resultando em um prejuízo de 166 milhões de reais ao final daquele ano. Correa destaca que reconhecer a necessidade de mudança foi o primeiro e mais difícil passo. “O maior desafio é aceitar que é preciso mudar e, como líder, aprendi que precisamos começar por nós mesmos”, afirma o executivo. Ele ressalta que a transformação envolveu não apenas ajustes internos, mas também o alinhamento de toda a cadeia produtiva, incluindo 16 000 funcionários e 300 fornecedores.

Em vez de recuar, a C&A usou a crise como um gatilho para a inovação. Serrentino aponta que a empresa fez movimentos estratégicos essenciais, como acelerar a digitalização e otimizar processos fundamentais para o negócio. Desde então, a companhia vem aprimorando a experiência do consumidor, tanto no varejo físico quanto no digital. Em 2020, passou a intensificar os investimentos em social selling, estratégia que utiliza a abrangência de redes sociais e aplicativos para criar um relacionamento mais próximo com os clientes, conectando consultoras digitais aos consumidores via WhatsApp e pelo aplicativo Minha C&A.
Uma das mudanças mais ousadas foi a aceleração dos ciclos de produção. Correa conta que o tempo de desenvolvimento de coleções foi reduzido de quatro meses para apenas um mês — um feito que inicialmente parecia inviável para fornecedores e equipes. Com testes bem-sucedidos e resultados positivos, ficou claro que essa era a direção certa. O modelo foi testado inicialmente com a marca Mindse7, lançada em 2019. Antes, os produtos eram comprados com até um ano de antecedência. Agora, a empresa opera com uma dinâmica muito mais ágil.

As mudanças se intensificaram em 2024 com o lançamento do programa chamado Energia C&A, estruturado em três pilares: evolução do sortimento, da jornada de compra e do relacionamento com os consumidores. “O Energia C&A representa uma abordagem pragmática, focada nas preferências e expectativas dos clientes”, diz Correa. O programa engloba mais de quarenta iniciativas distribuídas nesses três eixos estratégicos.
A tecnologia tem sido um pilar importante dessa transformação. Em 2024, a C&A investiu 165 milhões de reais em digitalização e tecnologia, um aumento de 24% em relação ao ano anterior. Correa revela que a empresa monitora atentamente as redes sociais e as mudanças de comportamento, ajustando rapidamente a produção quando um item específico começa a se destacar. O executivo cita um caso recente: após Fernanda Torres ganhar o Globo de Ouro pelo filme Ainda Estou Aqui, a rede notou um aumento repentino na demanda por uma camiseta estampada com Tapas & Beijos, série também protagonizada pela atriz. “Com o monitoramento, vimos que essa camiseta estava vendendo muito e conseguimos redirecionar a produção para garantir mais estoque”, diz o CEO.
Outro marco dessa evolução foi a adoção do modelo push and pull, que permite acompanhar o desempenho de produtos em tempo real e ajustar a oferta conforme a demanda de cada loja. Segundo Correa, a empresa consegue realizar pequenos testes com lotes reduzidos em lojas estratégicas, que servem como termômetro do comportamento geral apresentado pelos clientes. Quando a aceitação é positiva, a distribuição é ampliada rapidamente. “O maior ganho é criar momentos de encantamento”, afirma Correa. “É quando a cliente vê algo e diz: ‘nossa, que lindo’, ‘olha essa saia, essa blusa’.” Ao testar muitas opções rapidamente, a empresa aprende com agilidade o que agrada (ou não) ao público, focando naquilo que vende mais.
No segmento de jeans, por exemplo, a C&A realizou estudos para entender melhor o comportamento dos consumidores e desenvolveu um novo conceito para a categoria. Das 330 lojas da rede, 100 já contam com essa nova área de jeans, que vem registrando crescimento nas vendas. A experiência omnicanal — estratégia que integra lojas físicas, comércio eletrônico e outros canais de venda para uma jornada de compra unificada — também ganhou força, com o uso dos recursos da inteligência artificial para oferecer recomendações personalizadas e aprimorar a integração dos estoques. O aplicativo Minha C&A atingiu a marca de 4,5 milhões de usuários ativos mensais em novembro de 2024 — um crescimento de 93% em relação ao ano anterior. Paralelamente, as lojas físicas foram modernizadas. No ano passado, foram investidos 150 milhões de reais em reformas e remodelagens, um aumento expressivo de 348% em relação a 2023.

Parte da nova estratégia da C&A inclui a redução da oferta de eletrônicos. No último trimestre de 2024, a rede fechou setenta quiosques, enquanto o setor de beleza isoladamente cresceu 74%. O C&A Pay, braço de crédito da rede, também passou por ajustes estratégicos, registrando uma queda de 6% na receita do último trimestre, reflexo de uma abordagem mais conservadora diante dos juros altos. “O C&A Pay é um instrumento de relacionamento com nossos clientes”, afirma o presidente da C&A. “Agora, queremos intensificar esse vínculo, em vez de apenas expandir a base.”
Apesar dos desafios macroeconômicos no Brasil, as perspectivas para a companhia seguem positivas. “O mercado de trabalho está aquecido, o desemprego permanece baixo e há um crescimento de renda”, avalia o consultor Serrentino. Além disso, a taxação de compras internacionais criou um cenário mais equilibrado para as empresas brasileiras. Para Serrentino, a C&A deve continuar colhendo bons resultados nesse cenário. “Ela conseguiu melhorar sua qualidade comercial e operacional e foi gerando impactos muito positivos nos resultados”, afirma. Se continuar nesse ritmo, a C&A tem tudo para seguir surpreendendo os investidores — e, principalmente, os consumidores.
Publicado em VEJA, março de 2025, edição VEJA Negócios nº 12