Para muitos, o agora findo mês de janeiro simbolizou o início de um novo ciclo de mudanças. As resoluções foram diversas: gastar menos, casar-se, rezar mais e comer melhor talvez estejam entre as mais populares. Esta última, contudo, requer uma boa dieta, quer seja para perdermos ou ganharmos peso de maneira saudável. Calma, leitor: você não está na coluna de VEJA e VEJA NEGÓCIOS errada! A Pesquisa Operacional, tema principal de minha coluna MAIS COM MENOS, já tratou também sobre o tema da “dieta”.
O economista americano George Stigler, vencedor do prêmio Nobel de Economia de 1982, elaborou a seguinte questão no ano de 1945: “Considere um homem moderadamente ativo, pesando cerca de 70 kg. A partir de uma lista de 77 ingredientes, como planejar uma dieta, ou seja, quais alimentos e em qual quantidade consumi-los, de modo a satisfazer a demanda diária de nove nutrientes, e da maneira mais barata possível?” É claro que quando vamos ao supermercado não passamos pelo mesmo dilema do Dr. Stigler. Se pensamos no custo, geralmente não pensamos nos nutrientes, e vice-versa. De qualquer modo, a pergunta faz mais sentido se pensarmos em algumas situações práticas.
Considere, por exemplo, as crianças da rede pública de ensino: é ideal que cresçam saudáveis e tenham energia para aprender. Mas, ao mesmo tempo, recursos públicos (sejamos francos, dinheiro do pagador de imposto mesmo) não são infinitos – para a surpresa de muitos, em pleno 2025! Outro exemplo, esse mais clássico do ponto de vista da Pesquisa Operacional, é o da dieta de um exército. Principalmente durante um período de guerra ou conflito, quando não somente os recursos financeiros se tornam escassos (mas também todos os outros), deseja-se elaborar uma dieta que providencie aos combatentes o nível de energia que necessitam ao menor custo possível de preparação desse mesmo menu bélico.
Confesso que desconheço a melhor dieta para crianças ou para soldados, mas, em 1945, o Dr. Stigler chegou ao seguinte cardápio para seu “homem hipotético”: farinha de trigo, leite evaporado (pouco utilizado na culinária brasileira), repolho, espinafre e feijão branco, a um custo anual, em valores atuais, de aproximadamente R$ 5.500 (as respectivas quantidades podem ser conferidas no artigo original do Dr. Stigler). Aqui, leitor, tomo a liberdade de batizar essa dieta de “Dieta Los Alamos”, que, por razões de etiqueta, me recuso a explicar o porquê do nome. Mas como o Dr. Stigler chegou a tal resultado?
O leitor atento da minha coluna notara o seguinte fato: se o Dr. Stigler formulou essa questão no ano de 1945, então certamente ainda não tinha ao seu alcance o poderoso método Simplex, apresentado formalmente à comunidade científica apenas alguns anos depois. Assim, certamente não utilizou o aparato da Programação Linear para formular tal problema, muito menos utilizou o método Simplex para resolvê-lo. Em vez disso, a fim de encontrar uma solução para o problema, o economista lançou mão de um método heurístico, ou seja, uma gambiarra matemática que funciona (quase) perfeitamente. É o que os americanos chamam de rule of thumb: uma regrinha matemática que chega numa solução próxima da ótima, a um custo computacional relativamente baixo.
Mas é claro que eventualmente o problema da dieta seria formulado como um problema de Programação Linear. A formulação é simples de ser explicada: deseja-se minimizar o custo da dieta, ou seja, a soma do preço de cada alimento multiplicado pela sua quantidade (da mesma maneira que calculamos o preço da cesta básica, por exemplo). Ao mesmo tempo, deve-se satisfazer todos os nutrientes básicos. Assim, para cada nutriente (proteínas, vitaminas etc.), impõe-se que a quantidade de nutrientes em cada alimento, multiplicada pela quantidade de cada alimento, deve ser maior ou igual do que a demanda mínima do nutriente em questão. De fato, o problema da dieta foi formulado assim por ninguém mais e ninguém menos do que… Pause o vídeo e tente adivinhar! Ops, esqueci que não estamos no YouTube… Pois é, ele mesmo, George B. Dantzig! Então, em 1947, Jack Laderman, colega de Dantzig no National Bureau of Standards em Washington, implementou a primeira versão em larga escala do ainda incipiente método Simplex, envolvendo justamente o problema da dieta colocado pelo Dr. Stigler. Foram 77 variáveis (total de alimentos da lista), nove restrições (cada uma referente a um nutriente), e “utilizando calculadoras mecânicas de mesa, nove operadores levaram aproximadamente o equivalente a 120 dias de trabalho individual contínuo”. A solução? O mesmo menu (com uma pequena diferença no tamanho das porções), e apenas 24 centavos mais barato do que o encontrado dois anos antes por George Stigler. Os operadores juntaram todos os cálculos feitos à mão em uma única folha, que de tão grande foi batizada por Dantzig e seus colegas de a “Toalha de Mesa”. Hoje, em sala de aula, resolvemos o mesmo problema em qualquer computadorzinho mixuruca em milésimos de segundo.
O que será que nos aguarda no futuro da Pesquisa Operacional? Seriam as calculadoras mecânicas de mesa dos anos 40 os nossos GPTs e DeekSeeks de hoje? Falaremos mais sobre inteligência artificial em um futuro breve. Por ora, ficamos por aqui. Antes de me despedir, contudo, peço ao leitor cuidado ao compartilhar este artigo em suas redes socias: ouvi dizer que o governo está em busca de uma solução mágica para o combate à inflação dos alimentos. Temo que, se algum burocrata descobrir a dieta do Dr. Stigler, é capaz que vire diretriz nutricional nacional, e que mudem até a cesta básica. Deus nos livre! Já imaginaram a frustação? Prometer picanha e entregar farinha, espinafre, repolho… Como diria o mais saudoso dos Trapalhões: “Eita governozinho danadis!”.
Referências
[1] Stigler, George J. “The cost of subsistence.” Journal of farm economics 27.2 (1945): 303-314.
[2] Dantzig, George B. “The diet problem.” Interfaces 20.4 (1990): 43-47.
* Gabriel Nicolosi é PhD em Engenharia Industrial e Pesquisa Operacional pela Pennsylvania State University e Professor de Engenharia de Gestão e de Sistemas na Missouri University of Science and Technology, nos Estados Unidos