Um pobre mortal vagueia por uma mansão abandonada cheia de pó e que traz, nos quartos, caixões em vez de camas. Numa das adaptações clássicas de Drácula protagonizadas por Christopher Lee nos anos 1950, a situação seria prenúncio de morte ou sedução. No caso da série What We Do in the Shadows (O que fazemos nas sombras), que estreia sua sexta temporada no Disney + na quarta-feira 22, o cenário inspira uma trama ainda mais insólita: é o cotidiano do dedicado Guillermo, jovem que vira serviçal de um quarteto de vampiros suburbanos em Staten Island. Ainda que insaciáveis, violentos e promíscuos como dita o arquétipo, seus mestres não têm pretensões sérias: alienados por séculos de vida inconsequente, os quatro monstros são burros, vulgares e desbocados, contribuindo com excelência para uma tradição que se mantém viva (ou morta-viva) há décadas: a sátira das histórias de vampiros.
Inauguradas por Nosferatu, em 1922, as representações desses personagens que se movem nas sombras são um filão inesgotável. Dos filmes do húngaro Béla Lugosi ao Drácula encarnado por Gary Oldman no filme de 1992 de Francis Ford Coppola, a ideia de um sanguessuga que ameaça a humanidade, promove liberdade sexual, veste trajes extravagantes e fala com sotaque do Leste Europeu tem evidente apelo para a paródia. Roman Polanski viu nisso potencial para a chanchada e fez A Dança dos Vampiros (1967), assim como Mel Brooks perpetrou o impagável Drácula — Morto Mas Feliz (1995), com Leslie Nielsen. A lista de comédias é longa, com ao menos um exemplar notório por década — e, no século XXI, nada até agora é páreo para o hilário What We Do in the Shadows.
Criada por Jemaine Clement e Taika Waititi cinco anos após o filme homônimo da dupla, a série foca nos centenários vampiros Nadja (Natasia Demetriou), Laszlo (Matt Barry) e Nandor (Kayvan Novak). Vestidos de modo anacrônico, eles nada sabem sobre o mundo atual e abusam dos colegas Guillermo e Colin Robinson — este, um “vampiro de energia” com ares de bibliotecário, que suga as forças humanas com suas entediantes conversas e palestras. É em sacadas assim que está a maestria de um produto do humor nonsense que soma 29 indicações ao Emmy e mantém seu frescor lá se vão tantas temporadas. A sexta será a última, e é um fecho de ouro que mantém a maior qualidade das anteriores: usar o besteirol para expor o ridículo das convenções sociais em todas as áreas, do trabalho à política. What We Do in the Shadows chegou ao fim, mas já é tão imortal quanto seus velhos vampiros.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927