Recentes casos de violência que ganharam projeção nacional — como o do ciclista Vitor Medrado, assassinado a tiros durante um assalto em que ele não ofereceu resistência e o do arquiteto Jefferson Aguiar, ambos em São Paulo — inflamam o debate sobre a legislação de direito penal no Brasil. Não à toa, o governo federal articula a PEC da Segurança, enquanto parlamentares mais à direita encampam projetos legislativos que endurecem o tratamento dado aos criminosos e suspeitos.
Um dos campos de batalha mais espinhosos é o da audiência de custódia — tema de reportagem na edição desta semana de VEJA. Obrigatoriamente, todos os presos em flagrante precisam ter suas prisões avaliadas por um juiz em até 24 horas do ato — quando a prisão pode ser convertida em preventiva ou se transformar em liberdade. Em dez anos de existência, o modelo libertou quatro de cada presos que foram apresentados.
Um dos projetos de lei mais avançados nesse assunto foi proposto por Flávio Dino, quando ele era senador pelo PSB. O texto passou por unanimidade no Senado, sob relatoria de Sergio Moro (União Brasil-PR), e agora está na Câmara, onde aguarda a nomeação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça.
“Não sou contra as audiências de custódia. Mas elas precisam tem mais rigor. Não se resolve o problema da segurança pública e da população carcerária abrindo as portas da prisão”, defende Moro. A proposta que está hoje na Câmara e foi por ele relatada sugere que o juiz possa converter a prisão em flagrante em preventiva sempre que houver sinais de reincidência, ou se o suspeito já tiver passado por outras audiências de custódia, dando sinais de que estaria repetindo o comportamento criminoso. Hoje, é necessário que o suspeito tenha nas costas uma condenação criminal transitada em julgado (ou seja, sem possibilidade de recursos).
Moro também tem um projeto próprio que impõe muitos requisitos para a liberdade ser concedida. “Casos de soltura errada acabam contaminando o instituto. É urgente uma reforma”, diz o ex-juiz.

Há projetos mais radicais que esse. Um deles, do senador Angelo Coronel (PSD-BA), propõe que a audiência de custódia se torne uma espécie de “benefício”, que pode ou não ser concedido pelo juiz, dependendo do histórico do suspeito. Segundo o parlamentar, a audiência de custódia foi criada para desafogar o fluxo intenso de análise das prisões em flagrante, que era bastante demorado — o que pode, na sua avaliação, ser feito independente desse instituto.
“Se alega que o bandido tem direito a que a legalidade de sua prisão seja verificada. Mas isso também pode ser feito sem que o policial tenha de passar pelo constrangimento de ficar exposto da forma que vem ocorrendo. Por isso é que, nos casos de reincidência, de criminosos que já são conhecidos do sistema judiciário, essa audiência se mostra desnecessária”, defende o senador baiano.
Outro projeto, do deputado Fernando Rodolfo (PL-PE), acaba com a imposição de que a prisão passe a ser ilegal se não houver a apresentação do preso ao juiz em 24 horas.
Superlotação carcerária
Segundo especialistas, o esforço para mudar a lei com o objetivo de manter os criminosos na cadeia precisa vir acompanhado de uma discussão mais ampla sobre a política carcerária no país. Apesar da impressão generalizada de “excesso de soltura”, os dados indicam que as cadeias brasileiras estão cada vez mais, e não menos, lotadas. Com quase 889 000 pessoas cumprindo pena, o país tem a terceira maior população carcerária do planeta. Ela cresceu quase 30% nos últimos oito anos, num ritmo não acompanhado por investimentos proporcionais na infraestrutura. Por isso, faltam 174 000 vagas.
O resultado é um sistema caro e longe de oferecer condições ideais para a recuperação. Na prática, passou a funcionar como “oficinas do crime” para o recrutamento de soldados para facções como o PCC. “A prisão precisa cumprir o duplo caráter da pena, que é a privação da liberdade e a ressocialização”, diz o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que defende mudanças nas leis, a reforma do sistema prisional e ajustes nas audiências de custódia. “São recorrentes as prisões em flagrante anuladas por juízes, mesmo quando há apreensão de drogas e armas”, diz.