O sarampo, uma das doenças infecciosas mais contagiosas conhecidas, voltou a ser motivo de preocupação global. Os Estados Unidos registram atualmente o maior surto da doença em uma década, com mais de 250 casos e dois óbitos confirmados em diversos estados. Especialistas apontam a baixa cobertura vacinal como o principal fator por trás desse aumento alarmante.
No Brasil, que conquistou a eliminação do sarampo em 2016, o desafio agora é evitar que a doença retorne com força, como ocorreu em 2018. A questão é urgente: dois casos foram diagnosticados na Baixada Fluminense.
Nosso país viu a doença ressurgir em 2018, impulsionada por uma perigosa combinação de fatores: baixas coberturas vacinais e o intenso fluxo migratório. Durante esse período, a vacinação caiu abaixo do patamar recomendado de 95%, chegando a níveis preocupantes de 80% em diversas regiões do país. Isso abriu espaço a surtos sucessivos e intensa transmissão autóctone. Em 2019, o Brasil registrou mais de 20 mil casos da doença.
O sarampo é extremamente contagioso, transmitido pelo ar através de gotículas respiratórias. Um único caso pode gerar até 18 novas infecções em indivíduos não vacinados, tornando a rápida disseminação inevitável em comunidades desprotegidas. Diante desse cenário, o Brasil precisou reforçar suas estratégias de contenção, com foco na vacinação e na vigilância epidemiológica.
A recuperação das coberturas vacinais tem sido crucial para conter a transmissão do sarampo. Desde 2022, o Ministério da Saúde intensificou campanhas de imunização, permitindo que a cobertura da primeira dose da vacina tríplice viral (que protege contra sarampo, caxumba e rubéola) subisse de 80% para 88% em 2023. Ao final de 2024, o país atingiu os 95% recomendados para impedir a circulação do vírus.
Apesar dessa melhora, especialistas alertam que qualquer redução na cobertura pode abrir uma nova porta para o sarampo, especialmente considerando o alto fluxo de viajantes internacionais. Nos Estados Unidos, a recente epidemia reforça esse risco. Estados como Texas e Novo México têm sido os mais afetados pelo surto, com comunidades de baixa vacinação se tornando epicentros da disseminação do vírus.
O Brasil adota uma política rigorosa de notificação compulsória de casos suspeitos de sarampo. Isso significa que qualquer paciente com sintomas compatíveis – febre alta, manchas avermelhadas no corpo e queixas respiratórias – deve ser imediatamente reportado às autoridades de saúde. O isolamento do paciente e a realização de exames laboratoriais, como PCR e sorologia, são essenciais para confirmar o diagnóstico e evitar surtos.
Além disso, o sarampo compartilha sintomas com outras doenças com manifestações na pele, como rubéola e dengue, tornando ainda mais fundamental a realização de exames laboratoriais para um diagnóstico preciso. A vigilância epidemiológica deve ser ágil na resposta, garantindo que medidas de bloqueio, como a vacinação de contatos próximos, sejam aplicadas rapidamente.
A rubéola, embora menos agressiva que o sarampo em adultos e crianças, representa um grande risco para gestantes, podendo causar a Síndrome da Rubéola Congênita. Como a vacinação contra rubéola é feita junto à do sarampo na tríplice viral, uma queda na imunização coloca ambas as doenças em risco de ressurgimento.
Nos últimos anos, outras doenças evitáveis por vacinação também apresentaram aumento de casos devido à redução da imunização. A coqueluche, por exemplo, teve um crescimento significativo no último ano, e o vírus da febre amarela voltou a circular em áreas próximas à divisa entre São Paulo e Minas Gerais, resultando em óbitos entre pessoas não vacinadas.
A pandemia de covid-19 trouxe desafios extras para a vacinação infantil, dificultando o acesso a unidades de saúde e reduzindo as taxas de imunização. No entanto, desde 2022, o Brasil tem trabalhado para recuperar esses índices. O caso do sarampo mostra que a vacinação não é apenas uma escolha individual, mas uma responsabilidade coletiva.
Diante do atual surto nos Estados Unidos e do histórico recente do Brasil, o país não pode relaxar. A manutenção de campanhas de conscientização, a facilitação do acesso à vacina e a busca ativa por pessoas não vacinadas são medidas fundamentais para evitar um novo ciclo da doença.
O sarampo já demonstrou sua capacidade de ressurgir quando a imunização é negligenciada. O Brasil tem a oportunidade de evitar uma nova crise sanitária – basta garantir que a vacinação continue sendo uma prioridade nacional.
* Carolina dos Santos Lázari é médica infectologista e patologista clínica e membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML)