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Amor não lava louça: a fatura invisível das tarefas domésticas

É curioso pensar como muitas coisas na nossa vida têm um preço claro e definido: do aluguel ao pãozinho francês, tudo vem acompanhado de uma etiqueta com o valor estampado. Mas quando o assunto é trabalho doméstico, especialmente o que é feito dentro de casa, parece que a calculadora some misteriosamente. Não porque não tenha valor, mas porque, culturalmente, ainda se acredita que essa é uma conta “que o amor paga”.

Em recente pesquisa que realizamos no Instituto Locomotiva, constatamos que 92% dos brasileiros reconhecem claramente que as mulheres carregam uma mochila bem mais pesada de tarefas domésticas e familiares. Não é só percepção, é uma realidade com números concretos: se fossem remuneradas pelo trabalho doméstico, as mulheres brasileiras ganhariam, em média, R$ 834 a mais por mês, somando R$ 905 bilhões por ano. Isso é quase o orçamento anual de alguns estados brasileiros! Agora, imagine quanto amor e reconhecimento caberia numa cifra dessas?

Mensurar esse impacto econômico é como colocar uma lanterna em um cômodo escuro da nossa casa coletiva: permite enxergar o valor real de algo essencial, mas que culturalmente aprendemos a não ver. Trata-se de tornar explícito que o trabalho feito em casa não é “favor”, nem “gentileza”, muito menos “coisa de mulher”. É trabalho de verdade. É tempo, energia e dinheiro, sim.

E essa responsabilidade desigual não para aí: 85% das mulheres brasileiras dizem estar na liderança da organização doméstica geral. Mais de 80% são as principais responsáveis por cozinhar, lavar, limpar, passar roupas e até organizar armários. Já muitos homens, quando realizam alguma tarefa, escolhem aquela clássica e altamente complexa: trocar a lâmpada queimada ou, no máximo, “supervisionar” a faxina com um olhar atento, sentado confortavelmente no sofá. Não é à toa que tantos se tornam exímios comentaristas do serviço alheio.

Quando avaliamos a diferença entre solteiros e casados, temos outra revelação curiosa: homens solteiros parecem mais dispostos a realizar tarefas domésticas. Porém, uma vez que se casam, boa parte deles parece sofrer uma misteriosa amnésia doméstica. Por outro lado, mulheres casadas assumem uma quantidade ainda maior dessas responsabilidades. Seria essa uma cláusula secreta do contrato matrimonial?

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Brincadeiras à parte, medir o impacto econômico dessa divisão desigual não é só um exercício estatístico: é uma provocação social urgente. Estamos diante de uma economia invisível que movimenta impressionantes R$ 905 bilhões por ano. Uma riqueza que, hoje, fica presa entre a cozinha, a sala e a lavanderia, impedindo as mulheres de participarem plenamente de oportunidades profissionais e sociais.

Imagine, por um instante, se houvesse uma distribuição mais justa dessas tarefas. Mulheres poderiam dedicar mais tempo e energia a carreiras profissionais, aumentando renda familiar e, por consequência, o consumo e a economia do país. Teríamos, literalmente, mais dinheiro circulando no mercado e menos desgaste físico e emocional.

Mas vale lembrar: reconhecer o problema não o resolve automaticamente. É como o sujeito que percebe que precisa emagrecer, mas continua pedindo pizza toda noite — consciência sem ação não muda nada. Precisamos ir além da constatação e partir para a mudança real nas nossas casas. E não falo apenas de lavar mais louças ou limpar banheiros, mas de dividir igualmente a responsabilidade mental e prática pela organização e cuidado do lar.

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Afinal, como dizem por aí, “amor não lava louça”. Muito menos passa roupa ou prepara o jantar. É ótimo ter afeto e parceria em casa, mas para construir uma sociedade justa e economicamente forte, precisamos mesmo é de uma divisão equilibrada das tarefas, com responsabilidades claras para homens e mulheres.

Quem sabe, num futuro próximo, aquele “amor” tão citado para justificar trabalho não pago possa se transformar também em atitude prática e justa, dando um merecido descanso às mulheres e distribuindo melhor essa mochila pesada que, hoje, ainda recai majoritariamente sobre elas.

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